Para entender fenômenos, é preciso compreender os contextos aos quais estão inseridos e qual seu público-alvo. Esse é o caso do filme polonês 365 Dias, ou 365 DNI, no original, que está entre o Top 3 filmes mais assistidos no Brasil da Netflix. Fenômeno de espectadores, o longa atingiu a marca rara de 0% de avaliações positivas no site de crítica especializada, Rotten Tomatoes.
Foi uma espécie de tortura assistir às duas horas de vergonha alheia do longa. Não há clímax, não há profundidade de personagens ou trama, o roteiro é extremamente apelativo, as atuações são cômicas e não há fundamento nas ações dos personagens. Assisti aos 20 minutos iniciais do filme e parei. Comecei a questionar o por que dessa produção ter se tornado um fenômeno mundial na plataforma de streaming. Foi nesse momento que refleti sobre as inúmeras questões que a produção aborda, – ou, mais exatamente, deixa de abordar.
Antes de tudo, gostaria de destacar aquele que talvez seja o único ponto positivo desta produção: o fato de que cada vez mais os filmes estrangeiros vêm ganhando destaque e popularidade na Netflix. Isso é extremamente importante, pois descentraliza a cultura norte americana e oferece uma diversidade maior de conteúdos aos espectadores. Ainda assim, as problemáticas levantadas em 365 Dias ofuscam qualquer mérito da produção -, ou da Netflix, em disponibilizar esse tipo de conteúdo.
Mesmo que o personagem Massimo diga que ele não tocará Laura ao menos que ela peça, ele frequentemente a apalpa, acaricia, molesta, e, quando ela rejeita seus avanços sexuais, ele a agarra violentamente. A trilha sonora “moderna” sugere que todas situações são emocionantes, mas na verdade a música serve para preencher um vazio de clímax – na verdade, o único clímax que o longa pode ter é o ator Michele Morrone, que frequentemente aparece sem camisa.
Eu não tenho medo em afirmar que o filme banaliza a sexualidade feminina ao nível de Massimo algemar Laura na cama e fazê-la assistir a outra mulher fazendo sexo oral nele. Não há prazer para nenhuma das duas mulheres – a não ser o prazer de satisfazer o “macho alfa”, uma cena que deixa evidente o falocentrismo da trama.
Essa atitude vai contra os movimentos de independência sexual feminina nos últimos anos. As mulheres têm conquistado cada vez mais autonomia para descobrir sua sexualidade e serem donas das próprias fantasiais sexuais. No Instagram, por exemplo, há uma gama de terapeutas que ajudam e incentivam as mulheres a conhecerem o próprio corpo e os próprios desejos – e não somente os desejos dos seus parceiros. Como já dizia Rita Lee:
“Amor é um; sexo é dois.”
Histórias como a de 365 Dias e/ou 50 Tons de Cinza oferecem uma gama de emoções baratas e relacionamentos tóxicos. Aos desaviados, 50 Tons de Cinza não é nada mais que uma Fan Fiction (história que um fã recria baseado na história principal) da Saga Crepúsculo (2008 – 2012) escrito por uma mulher que leu certa vez sobre sadomasoquismo – sem conhecer bem a prática -, e resolveu adicionar o tema à história adaptada dos vampiros para “apimentar” mais seu imaginário.
Blanka Lipińska escreveu a história de 365 Dias inspirada no sucesso de 50 Tons de Cinza. Logo, se ligarmos os pontos, podemos considerar a trama e construção de personagens do longa como uma fanfic de outra fanfic sobre uma história de vampiros adolescentes. O resultado? Um filme sem pé nem cabeça.
365 Dias tem um público-alvo: é o mesmo que lotou as salas de cinema no mundo todo quando “o outro filme erótico” foi lançado. Não há ponto positivos a serem destacados neste longa. Por anos a sexualidade feminina foi reprimida e, para espectadores menos atentos, este seria um filme que celebraria o imaginário feminino. Porém, essa falsa celebração coloca a mulher mais uma vez em um lugar de passividade e submissão – sua vontade não importa e o prazer não é igualitário.
Assista ao trailer oficial (sem legendas) de 365 Dias:
Texto publicado originalmente em Portal W3.
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