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CRÍTICA – Green Book: O Guia (2019, Peter Farrelly)

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CRÍTICA - Green Book: O Guia (2019, Peter Farrelly)

Todos os anos, os indicados a categoria de Melhor Filme do Oscar causam alguma polêmica. Seja pela falta de representatividade, falta de diversidade ou por excesso de lobby entre as indicações: sempre há motivos para questionar as escolhas feitas pela Academia. Esse ano, apesar de termos Pantera Negra, Infiltrado na Klan e Roma que tocam em assuntos mais plurais e possuem um papel representativo – necessário no atual cenário mundial de intolerância e violência – temos, também, Green Book: O Guia.

Assim como o Oscar, o filme dirigido por Peter Farrelly (Debi & Lóide, Quem Vai Ficar Com Mary?) também possui algumas polêmicas. Por se tratar de uma história real adaptada para o cinema, há muitas pessoas envolvidas e, claro, é possível que algumas delas discordem dos fatos narrados em tela. É o caso da família de Don Shirley, que alega que a história de Tony Vallelonga e Shirley não existiu da forma retratada – mesmo o filho de Tony, Nick Vallelonga, sendo um dos roteiristas e produtores do longa.

Apesar das polêmicas, nada impediu a boa campanha de Green Book: O Guia para o Oscar 2019. O filme possui cinco indicações na premiação deste ano: Melhor Filme, Melhor Roteiro Original, Melhor Ator para Viggo Mortensen, Melhor Ator Coadjuvante para Mahershala Ali e Melhor Edição. Ali está muito bem cotado para receber a honraria no dia 24 de fevereiro, pois já venceu as premiações SAG, Globo de Ouro e Critics’ Choice Awards.

A trama, que se passa na década de 1960, conta a história de Tony “Lip” Vallelonga (Mortensen) e Dr. Don Shirley (Ali). Don Shirley é pianista e fará um grande número de shows ao Sul dos Estados Unidos, região onde os negros só podem transitar em “segurança” por estradas, hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos demarcados no livro verde (que dá nome ao filme). Para conseguir realizar todos os shows previstos, Don Shirley terá que se locomover de cidade em cidade ao longo de 2 meses, necessitando, assim, de um motorista que seja mais do que só um motorista, mas um “guarda-costas”.

Tony Lip é uma figura conhecida por fazer “o que é necessário”. Ítalo-americano, turrão, com pouco estudo e extremamente preconceituoso, Tony aceita o trabalho com Shirley após o restaurante/pub onde ele trabalha fechar para manutenção. Em um dos nossos primeiros contatos com o personagem, Tony coloca no lixo dois copos de vidro que haviam sido utilizados por trabalhadores negros – uma alusão de que esses materiais não poderiam ser reutilizados pela família.

É inegável como as atuações de Mortensen e Ali carregam a trama. Ambos os atores são extremamente talentosos, possuindo uma química muito interessante em tela. As cenas fluem naturalmente, como uma boa “dramédia” da Sessão da Tarde. Apesar de possuírem diferenças de criação, pensamento, educação e atitude, a sensação é de que ambos são amigos há muito tempo, passando por cima de suas diferenças para viverem em harmonia, de certa forma, durante os meses de convivência. A estrada – para o telespectador e para os personagens – é prazerosa, mesmo com inúmeras situações ruins que acontecem com Don Shirley ao longo dos 130 minutos de filme. E é isto.

A sensação estranha após assistir Green Book: O Guia está em percebermos que a produção não é nada mais do que apenas uma relação bacana de duas pessoas, com altos e baixos, assim como inúmeros outros filmes do tipo. Com um assunto tão forte como o racismo sendo utilizado de plano de fundo para todas as situações – de novo, sendo lançado no atual contexto que estamos vivendo – é bizarro o filme ser conduzido de forma tão leve e “deboista” assim.

É curioso quando colocamos Green Book: O Guia ao lado de uma produção como Infiltrado na Klan. Ambas possuem o mesmo elemento de motivação, são comédias, possuem conteúdo e referência histórica, mas são tratadas de maneiras completamente opostas. E, acredite, isso faz toda a diferença. O filme de Spike Lee que também concorre ao Oscar de Melhor Filme e outras categorias é o tipo de filme que usa da sátira como forma de escancarar a verdade incômoda, dolorosa e real sobre o racismo que ainda existe na nossa sociedade – mesmo se passando há décadas. Uma pena não ser o caso no longa de Peter Farrelly.

Por sua vez, Green Book: O Guia deixa a sensação de que todas as situações sofridas por Don Shirley estão, de fato, no passado. E nada mais do que isso. É um livreto que mostra todas as humilhações sofridas pelo personagem, mas não as desenvolve, evitando entrar no drama. Em um momento em que tantas pessoas repetem que estragos feitos durante décadas de racismo e segregação é “vitimismo” – e tendo um presidente no poder que apoia esse tipo de discurso – conduzir um filme com assunto tão importante e que apresenta momentos tão humilhantes da história estadunidense de forma tão leve e meio divertida é um pouco frustrante.

As atuações são, de fato, os pontos altos do filme. Viggo Mortensen está em um dos melhores personagens de sua carreira, com um carisma único. Já Mahershala Ali dispensa qualquer adjetivação. A cena em que Shirley, aos berros, discursa sobre não se encaixar nem como negro, nem como branco e nem como homem é, de longe, a melhor cena da trama. Como já citado, a química dos dois é ótima, e a forma como eles criam um relacionamento saudável e duradouro é encantadora – apesar da família de Shirley dizer que a história nunca aconteceu dessa forma.

Em resumo, Green Book: O Guia não é um filme terrível, não é nem um filme ruim, ele só é simplório demais naquilo que se propõe a tratar. É uma produção que fica no âmbito da filosofia, daquelas que entregam uma “moral da história” no final feliz, e que evita se aprofundar em debates que não pode – ou não quer – sustentar.

 

Assista ao trailer

Green Book: O Guia chegou aos cinemas brasileiros em 24 de janeiro. E aí, já assistiu? Deixe seus comentários sobre o que achou do filme e suas opiniões 😉

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