No início dos anos 90, Quentin Tarantino, um balconista de video-locadora fanático por cinema, de Knoxville, no Tenessee, teve um impacto sísmico na cinematografia dos Estados Unidos. Nomes como Richard Linklater (Antes do Amanhecer) e Spike Lee (Malcom X) haviam trazido novas ideias estimulantes ao cinema norte-americano, que já tinha um certo tempo que eles não sentiam o perigo na pele. Tarantino se mudou para o Sul da Califórnia, e seu filme de estreia, Cães de Aluguel, provocava, de fato, a sensação do perigo, com uma trama de crime, violência e com os seus devidos toques de humor. Dois anos depois, ele iniciou Pulp Fiction: Tempo de Violência, que tinha a mesma agressividade verbal – mas com uma estrutura super inventiva com os astros da primeira fileira de Hollywood.
O estilo livre e solto de Tarantino era como um disparo de adrenalina no coração, pois ele é imprevisível, não sabemos o que está por vir no decorrer da trama. Parte do seu sucesso vinha de sua abordagem do gênero. Cães de Aluguel recriava o tema do assalto mostrado na tela, agora em Pulp Fiction, assumia as convenções do filme B – a carnificina das gangues, o boxeador decadente e o malfeitor em busca de redenção, reformuladas com brilho e consciência. O resultado foi a recarga estilística do gênero com uma cinematografia genuína, original e inovadora.
Na trama, Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) são dois assassinos profissionais trabalham fazendo cobranças para Marsellus Wallace (Ving Rhames), um poderoso gângster. Vega é forçado a sair com a esposa do chefe, temendo passar dos limites; enquanto isso, o pugilista Butch Coolidge (Bruce Willis) se mete em apuros por ganhar uma luta que deveria ter perdido.
MUDANÇA ESTRUTURAL
Um dos elementos mais icônicos da obra é o uso da narrativa não linear, mas como isso funciona? Ao fraturar o enredo, Tarantino não permite que nos acomodemos ao ritmo tradicional do suspense. Em vez de uma história com início, meio e fim identificáveis, o longa tem uma estrutura segmentada, em que as histórias auto contidas surgem fora de sincronia umas com as outras. Para garantir que cada segmento faça parte do todo, o diretor conecta as histórias por meio dos personagens: o chefe mafioso Marsellus Wallace surge em primeiro plano em todas as três partes e os protagonistas-chave de cada uma delas fazem aparições nas outras. Vincent Vega, que é o personagem principal durante quase toda a primeira hora, recua para um papel coadjuvante logo depois: surge por um instante breve no longa “O Relógio de Ouro”, em que o protagonista é o boxeador Butch Coolidge, passando a vez para o parceiro Jules Winnfield no segmento final, quando este experimenta um despertar espiritual.
O resultado dessa estrutura de armar é que Pulp Fiction não se trata de um personagem ou uma história específica, sendo quase uma trama sobre um estado de espírito que evoca a aura de Los Angeles. No fim de cada segmento, o ímpeto da história se reinicia em outro lugar, com outras pessoas, em um ponto indeterminado do tempo.
ESTÉTICA
Com total controle da mise-en-scène, bem como da tensão presente em diversos momentos, o preciso trabalho de câmera de Quentin Tarantino – com auxílio da montagem inventiva de Sally Menke (junto do diretor, também responsável pela cronologia desmontada) – aborda a violência naturalmente inserida no cotidiano de personagens atípicos, e, assim, ecoa a amoralidade do espaço, onde o próprio humor negro é orgânico, culminando em um limite situacional quase escatológico.
O cartaz icônico mimetiza as capas dos romances policiais em que se inspirou para o título, até mesmo na aparência de livro manuseado dominado por Uma Thurman.
ELENCO
O casting é estelar. Além de Uma Thurman, a musa de Tarantino, e Samuel L. Jackson, temos também participações de Christopher Walken, Maria de Medeiros, do sempre ótimo Harvey Keitel, entre outros. Bruce Willis, ao ler o roteiro, quis na hora participar do filme, nem que fosse como mero coadjuvante, e cooperou bem interpretando o boxeador Butch. Já o caso de John Travolta é mais curioso: após seu sucesso na década de 70, sua carreira desabou na década seguinte. Inicialmente, ele rejeitou a proposta. Mas depois sentou-se em frente a Quentin Tarantino que o fez mudar de ideia. Resultado: boas críticas, indicação ao Oscar de Melhor Ator e sua carreira ressuscitada.
TRILHA SONORA
A soundtrack do filme é tão impecável quanto ao roteiro e as demais linguagens da sua realização. Cria e cumpre seu papel em cada momento, elas conduzem as cenas e nós somos levados cada vez mais através delas, a excelente escolha de “You never can tell” de Chuck Berry para a dança de Mia e Vincent no concurso de Twist, ou a canção “Girl You’ll Be a Woman Soon” de Urge Overkill enquanto Mia espera Vincent sair do banheiro, tempo suficiente para quase causar uma tragédia, literalmente. Ou até mesmo a faixa “Misirlou” de Dick Dale enquanto a Honey Bunny (Amanda Plummer) e o Pumpkin (Tim Roth) assaltam a lanchonete logo no início do filme. Cada música traz uma sensação diferente em cada cena, tudo friamente calculado.
Vários ângulos e enquadramentos mostram uma riqueza técnica e um cuidado na apresentação das cenas. Possivelmente essa seja a genialidade de Tarantino.
Pulp Fiction transcendeu o universo cinematográfico e passou a fazer parte da cultura pop. Quentin Tarantino com a sua direção magistral reconhece e sabe oscilar entre diálogos cômicos e introversivos de forma ímpar com performances praticamente impecáveis, absorvendo uma trilha sonora icônica que formam um conjunto perfeito.
Confira o trailer legendado:
E você, já assistiu Pulp Fiction: Tempo de Violência? Se ainda não, aproveite essa icônica indicação e assista HOJE! E lembre-se de conferir nossas indicações anteriores do TBT do Feededigno.