Quando ouvimos falar de Stanley Kubrick, é pouco provável não fazer as associações mais óbvias como: Laranja Mecânica, O Iluminado e 2001: Uma Odisseia no Espaço. Afinal, é impossível não reconhecer o legado de seus filmes mais emblemáticos, que mudaram o cinema para sempre. Porém, olhar para filmes menos falados do diretor é perceber que seu talento e a maestria é muito mais forte do que o imaginado. Assim, percebemos que Kubrick verdadeiramente se aproxima de ter uma filmografia praticamente impecável.
Barry Lyndon é mais um desses tesouros ofuscados e subestimados, o qual, olhando de perto, facilmente percebe-se porquê é tão especial. Na obra geral de Stanley Kubrick é recorrente o exame do homem e de sua condição como espécie, tanto em sua respectiva época quanto através dos tempos.
Muito já se disse sobre isso, e sobre suas reflexões eventualmente distantes e contemplativas: durante sua carreira o diretor recebeu críticas pela sua “frieza calculista sem emoção” em alguns momentos.
São traços de um perfeccionismo doentio, no qual há uma atenção criteriosa a cada detalhe, de cada plano, de cada elemento inserido ou não em uma imagem isolada.
A trama é baseada no livro de William Makepeace Thackeray, que romantiza de forma irônica a história real de um irlandês oportunista. No filme, ele assume a forma de Redmond Barry (Ryan O’Neal), um jovem pobre que deixa sua terra natal da Irlanda para atingir sua meta de pertencer à alta sociedade inglesa em meio à Guerra dos Sete Anos.
O que parece inegável é a sensação bastante distinta promovida pelo longa. E tudo se trata dos detalhes: da fotografia sem a utilização de luzes artificiais, e nos interiores, em cenas noturnas, ressaltando a utilização da luz de velas – em sequências que só poderiam ser capturadas através de lentes especiais.
Temos figurinos diversos com cores vibrantes, texturas variadas e minuciosos toques, dos objetos de cena, assim como da trilha sonora impecável com peças musicais clássicas de Schubert, Handel, Mozart, Bach, Vivaldi, etc. Além de locações deslumbrantes; tudo aqui converge para um ponto percepcional absolutamente único.
Todo o primeiro ato leva a exata metade da duração da película, vemos a transformação de Redmond Barry, o plebeu, em Barry Lyndon, o nobre (ou o quase-nobre, tecnicamente). Quando chega o intervalo, ele está em seu auge. O segundo ato, claro, é sua vertiginosa queda, basicamente causada por sua arrogância, violência e ganância.
Falando de Kubrick e sua habitual exploração da condição humana, aqui ele expõe isso na construção de um mundo de aparências a partir de relações superficiais e frias, onde se é formado um jogo de poder que beira a insanidade.
Veja bem, acompanhamos a história de um sujeito que é capaz de qualquer coisa por uma ascensão à aristocracia: estilo de vida que, por sua vez, apresenta toda aquela pompa e charme, mas que, no fundo, desnudo, é sobre a mais pura disputa.
Por baixo do véu moral e ético daquela sociedade ainda está o sentimento bruto de conflito, e todas as reverências, regras de etiqueta e costumes chiques não são mais que máscaras sinistras que encobrem as verdadeiras intenções primitivas da espécie humana.
Voltando a falar da cinematografia vencedora de 4 Oscars, este talvez seja o aspecto mais impressionante. Trata-se de um dos filmes mais deslumbrantes já filmados: as paisagens e os interiores são capturados com uma profundidade incrível, é quase possível sentir o cheiro daqueles lugares.
A ilusão de que você está em outra época, se deparando com outros costumes, é feita com tanta perfeição que chega a transcender o próprio ato de assistir a um simples filme.
O filme também é sobre a perda de uma certa essência do protagonista, ou talvez da descoberta de uma essência que sempre esteve à espera de um despertar: não se enganem, ele nunca foi flor que se cheire, mas acompanhamos gradativamente este se tornar cada vez mais indiferente aos outros na medida que se torna rico e passa a fazer “parte do clube”.
Mas os seres humanos são contraditórios, e em contrapartida ninguém pode dizer que aquele sujeito não ama seu pequeno filho. É inegável que um pingo de pureza ainda existe naquela alma.
Este exame é interessantíssimo: sentimos por Barry em diversos momentos, e em outros somos obrigados a reconhecer o sujeito desprezível que ele é. O conflito que obtemos em relação a ele torna tudo ainda mais real e intrigante.
Há aqui belas performances, bela cinematografia, e uma jornada única. Além de uma reflexão praticamente shakesperiana sobre o quão inútil é o que fazemos ou deixamos de fazer (em um contexto amplo, claro), quando no final tudo isso deixará de existir e será esquecido eventualmente por trás da cortina do tempo, que segue cruel e imperdoável.
É mais um exemplo da atenção de Stanley Kubrick a todos os aspectos da produção cinematográfica, e sim, mais uma obra-prima de um gênio.
Confira ao trailer do longa:
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