Início SÉRIE Crítica CRÍTICA – Todxs Nós (2020, HBO)

CRÍTICA – Todxs Nós (2020, HBO)

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Nos últimos anos, a esfera do entretenimento voltou-se consideravelmente para a representação da comunidade LGBTQ+ na televisão e no cinema, explorando as diversas nuances que fazem parte desse grupo e quebrando estereótipos engessados nas décadas anteriores – ainda mais se nos recordarmos da problemática década de 1990.

Agora, conforme os artistas dão passos curtos em direção à desconstrução de fórmulas e de pré-conceitos, chegou o momento em que podemos quebrar outros tabus que passam longe das conversas de várias pessoas, como a fluidez da identidade de gênero, a transsexualidade e a não-binariedade; é nesse contexto a princípio complexo e cauteloso que surge Todxs Nós, série nacional da HBO que marca história no dia de hoje (22 de Março) por trazer uma protagonista que foge da cisnormatividade e que renega ainda mais padrões conservadores e retrógrados.

A narrativa gira em torno de Rafa (Clara Gallo), uma jovem do interior de São Paulo que foge para a cidade grande para morar com o primo, Vini (Kelner Macêdo), e sua colega de quarto e melhor amiga, Maia (Juliana Gerais). 

Da esquerda para a direita: Rafa, Maia e Vini.

Ao chegar ao apartamento da dupla, ela se abre para eles e diz que se assumiu pansexual e não-binária, resolvendo deixar sua conturbada família para trás e trilha seu próprio caminho em um lugar que exala diversidade e aceitação (pelo menos num nível bem maior que a mentalidade estagnada de outros territórios). O problema é que nem Vini, que é assumidamente gay, nem Maia, que faz parte da militância negra e feminina, consegue ajudá-la logo de cara por também não terem muito contato com isso – e é aí que a premissa principal ganha forma em uma deliciosa e envolvente comédia.

Antes de tudo, é preciso entender que a trama apresentada em Todxs Nós não destoa muito das outras já apresentadas por Vera Egito, que sempre prezou por críticas sociais em suas produções.

Na verdade, Egito decidiu exaltar essa identidade que foge do “preto-e-branco” em um escopo levemente ácido, mas perscrutado por desvios de expectativa inesperados, personagens carismáticos e uma apresentação dinâmica e por vezes enérgica demais do que iremos ver na temporada.

Sua colaboração com Daniel Ribeiro é, no final das contas, uma sucinta reverberação de temas pouco analisados ou analisados de modo repetitivo – o que explica a personalidade rebelde e cintilante da protagonista e uma necessidade bastante pessoal de se autoafirmar e de levar seus entes queridos a entender que o mundo está em constante evolução.

Egito e Ribeiro são acompanhados de uma quase utópica equipe criativa que não deixa de lado as outras figuras principais, cuidando para que cada um esteja imerso em arcos coerentes: Vini, apesar de fazer parte das minorias sociais, não conhece tudo o que há para conhecer da comunidade queer, tendo Rafa como guia; além disso, ele faz parte de um grupo de teatro que exige mais e mais que ele saia de um casulo do qual não quer sair, talvez por querer agradar ao namorado, talvez por que deseja cumprir as expectativas da excêntrica mãe (interpretada por Gilda Nomacce).

Temos também Maia, uma mulher extremamente inteligente que trabalha numa companhia de transportes e se vê num dilema moral e profissional ao descobrir que houve um caso acobertado de assédio e que as próprias funcionárias repassam um discurso machista inaceitável.

A obra funciona como um convite aberto a quem queira conhecer mais esse mundo muitas vezes marginalizado e ofuscado por uma mídia que preza por aquilo que é mais aceito; para além disso, ela insurge como uma didática aula sobre orientação sexual e gênero (sem mencionar as diversas outras inclinações que traz no episódio piloto), transformando-se numa série bastante válida ao público LGBTQ+ pela representatividade – que não se restringe apenas ao elenco, como também à ampla equipe – e também àqueles que desejam aprender, seja para conversar com conhecidos que tenham se assumido, seja apenas para entender que o normativo não é a única coisa que existe.

Optando por uma estética que bebe de recentes comédias estruturadas como Unbreakable Kimmy Schmidt e The Good Place, Todxs Nós procura criar uma identidade própria, refletindo a cultura nacional em seus mínimos detalhes: temos a arquitetura e a paleta de cores do apartamento de Vini, que mergulha no choque tonal de cores complementares à medida que se funde entre o kitsch e o moderno; temos a manifestação do grafite acompanhando outros jovens não-binários e trans que se unem para discutir sobre sua presença no mundo; temos a experiência naturalista dos artistas refletida em personalidades good vibes – tudo canalizado para um equilíbrio aplaudível entre o hilariante e o dramático, afastando-se do espectro sintético e aproximando-se da fluidez audiovisual.

Todxs Nós é a mais nova produção original da HBO e é uma grande aposta para 2020 e, logo de cara, nos chama a atenção por sua ousadia.

Ao que tudo indica, Vera Egito e Daniel Ribeiro acertaram em cheio ao escolher esse coming-of-age na cidade grande que acena para uma nostalgia panorâmica e investe em uma atualidade temática mais necessária do que nunca para a sociedade contemporânea.

Assista ao trailer: 

Todxs Nós estreia hoje, às 23h na HBO.



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