Início SÉRIE Crítica Lovecraft Country: Episódio 8 – Jig-A-Bobo | Análise e referências

Lovecraft Country: Episódio 8 – Jig-A-Bobo | Análise e referências

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O episódio 8 de Lovecraft Country, intitulado Jig-A-Bobo, estreou no dia 4 de Outubro na HBO. Um dos capítulos com mais ação desde Whitey’s On The Moon, o episódio conduziu a trama a passos largos para o final da temporada.

O texto a seguir terá spoilers. Leia por sua conta e risco.

SINOPSE

Diana (Jada Harris) se encontra na mira do capitão Lancaster (Mac Brandt). Quando um visitante do passado retorna para suas vidas, Atticus (Jonathan Majors) e Leti (Jurnee Smollett) tomam medidas drásticas para proteger seu futuro.

LEIA TAMBÉM:

Lovecraft Country: Análise e referências

Episódio 7 – I Am

Episódio 6 – Meet Me In Daegu

Episódio 5 – Strange Case

Episódio 4 – A History of Violence

Episódio 3 – Holy Ghost

Episódio 2 – Whitey’s on the Moon

Episódio 1 – Sundown

ANÁLISE

O novo episódio de Lovecraft Country se passa uma semana após os acontecimentos do episódio 7, I Am. Logo no início do capítulo, temos o desfecho da saga de Emmett Till, o menino apelidado de Bobo pela família e amigos.

Nas nossas outras análises de Lovecraft Country nós já havíamos comentado sobre a origem da história de Bobo e todas as vezes que o personagem havia participado da narrativa da série.

Ao longo dos episódios, vimos Bobo brincar com os amigos na mansão Winthrop e também na casa da Hippolyta (Aunjanue Ellis). No episódio 7, soubemos que ele havia seguido caminho para sua fatídica viagem ao Mississipi e, bom, já sabíamos o que esperar em decorrência dessa situação.

Começamos o episódio Jig-A-Bobo com o enterro do menino no dia mais quente do ano. Diana, que perdeu seu pai há pouco tempo e está com sua mãe desaparecida há uma semana, está encarando a situação da forma que pode. Ela não parece ser prioridade para ninguém, o que a deixa com uma raiva enorme acumulada dentro de si.

Após desaparecer durante o velório, Diana segue para uma das ruas do Sul de Chicago que está deserta devido ao acontecimento com Bobo. Lá, ela encontra Lancaster, que a amaldiçoa com um feitiço após conversarem sobre o desaparecimento de Hippolyta.

Parte do feitiço proferido por Lancaster é o seguinte:

“Embora os mortais não tenham o poder de controlar o tempo… Fazei-o para que o domínio seja meu. As areias do tempo revelaram-me a forma perfeita. Transformai noites desenfreadas em dias com limites. Desde a era da semente semeada com peixe à chegada da colheita e à migração das aves, Mostrai-me, agora, o que devo prever. Transformai noites desenfreadas em dias com limites. Revelai-me, agora, o que devo prever.”

Ao longo do episódio, Diana passa a ser perseguida por duas criaturas sobrenaturais chamadas Topsy e Bobsy em uma clara inspiração em A Hora do Pesadelo.

Procurando por Diana, o grupo se divide: Ruby (Wunmi Mosaku) vai até a casa de Christina (Abbey Lee) na esperança de encontrar consolo nos braços de William (Jordan Patrick Smith) – apesar deles serem a mesma pessoa, há uma diferenciação imaginária na cabeça de Ruby sobre com quem ela se relaciona. Leti (Jurnee Smollett) segue para a casa Winthrop, e Tic (Jonathan Majors) vai ao encontro de Christina em um mausoléu.

Começando pelo arco de Tic, ele pede ajuda para Christina conjurar um feitiço de proteção. Em troca, ele deu a ela a chave do observatório Winthrop (que ele, inocentemente, acredita estar estragado). Ela explica a ele como fazer o símbolo do sol da Ordem do Antigo Alvorecer e diz que, para o feitiço dar certo, é necessário haver energia, intenção e um corpo – para manter o equilíbrio.

Tic também questiona Christina sobre o equinócio de outono. Ela diz a ele que será o momento em que ela conseguirá o que Titus não conseguiu: a imortalidade.

Os equinócios são momentos em que o dia e a noite possuem a mesma duração, deixando a luz e a escuridão em perfeito alinhamento, se tornando um momento propício para grandes rituais.

Tic vai para a casa Winthrop e encontra Ji-Ah (Jamie Chung) sentada à mesa junto com Leti, ambas esperando a sua chegada. Ji-Ah explica tudo sobre ser uma kimiho e ter acontecido algo diferente na relação dos dois. Tic a pressiona por respostas, mas ela também não sabe o que pode acontecer. Leti percebe que Ji-Ah ainda o ama e, por isso, viajou da Coreia até os Estados Unidos apenas para tentar ajudá-lo.

A participação de Ji-Ah nesse episódio ficou completamente fora de tom e deslocada, o que me faz pensar que ela poderia ser melhor utilizada em outro momento. A reação de Tic com ela, no auge de seu desespero por ela ter vindo ajudá-lo, só nos comprova o quão volátil é sua personalidade e o quão perigoso ele pode se tornar em certas situações.

Após o “Casos de Família” na sala da casa, Leti e Tic se desentendem, e ele acaba indo ao encontro de Montrose (Michael Kenneth Williams), para conversar sobre o livro que ele encontrou em sua viagem ao futuro. Leti segue para uma igreja, onde marcou um encontro com Christina.

Paralelamente a esses acontecimentos, Christina e Ruby tem uma conversa sobre o assassinato de Emmett Till. A conversa ressoa na consciência de Christina que, em ocasião posterior, pede a dois homens que a assassinem da mesma forma que Bobo fora assassinado na vida real. A escolha narrativa de Misha Green em mostrar o acontecimento em uma pessoa branca – em vez de simular a situação em um adolescente negro – foi muito interessante e bem pensada.

Christina encontra Leti na igreja e, após conversarem um pouco sobre banalidades religiosas, Leti oferta as fotos que tirou das páginas de Titus Braithwhite em troca de proteção para Tic. Christina se recusa e oferece a proteção para Leti, que acaba aceitando por causa de seu filho.

A opção que Christina dá a Leti é, basicamente, uma confirmação de que Tic já possui a marca de Caim em suas costas, não necessitando dela novamente. É também uma forma dela conseguir as páginas sem precisar se reencontrar com Tic – e manter seu sobrinho a salvo no corpo de Leti.

Depois desses desdobramentos, nós temos a parte da ação desenfreada do episódio. Diana confronta Lancaster e seus policiais, dizendo que não vai ajudá-los a conseguir o planetário. No outro lado da cidade, Tic explica a Montrose que pegou um livro do futuro escrito por seu filho, George Freeman, e que conta a história da família deles.

O encontro de Montrose e Tic é bem interessante, pois é a primeira vez que pai e filho conversam verdadeiramente como uma família. Montrose se sente mais confortável para falar sobre seus traumas, suas escolhas de vida e seu relacionamento com Dora (Erica Tazel). Após toda a conversa, Montrose pede para ajudar Tic com o feitiço de proteção, e ele aceita.

No apartamento de Montrose, Tic desenha o sol protetor com seu sangue no chão da sala. Nessa hora, Montrose lê uma parte do feitiço e fala algumas palavras erradas. Tic o corrige e descobre que seu pai é disléxico. Essa informação pode ser apenas uma informação aleatória, mas o fato do feitiço “não ter funcionado” – até onde eles sabem – poderia ter a ver com o fato de Montrose ter errado algumas palavras.

Parte desse mesmo feitiço é proferida por Christina antes dela apanhar dos dois homens durante a simulação da morte de Emmett. Teoricamente, Christina é invulnerável – Tic tentou atirar nela no episódio Holy Ghost e não conseguiu – então ela não poderia apanhar daqueles dois homens a menos que tivesse conjurado um feitiço para que isso acontecesse.

Tanto Montrose, quanto Christina, recitam o mesmo feitiço. Parte dele está aqui:

“Na água da inundação, ele se libertará da morte. E, na batalha, desde a autoridade da lança… o seu poder, como um dia nascente, não deverá morrer. Circundai esse homem com um orbe favorável de proteção. Guardai este homem de todos os males. Os destruidores… visíveis e invisíveis.”

De volta à casa Winthrop, Ruby conta a Leti que sabe tudo sobre magia e que está vivendo na casa de Christina. Antes que Leti possa realmente entrar em uma briga com sua irmã, os policiais de Lancaster cercam sua casa usando como desculpa que elas estariam abrigando um grupo terrorista.

Com a casa protegida por magia, Lancaster não pôde entrar pela porta principal. Com isso, ele passa a fuzilar a casa junto com seus capangas. Leti percebe que o feitiço de Christina funcionou e ela está invulnerável, pois as balas passam a desviar dela.

Tic, que estava voltando para a casa após a sessão (aparentemente) mal sucedida de seu feitiço, encontra a rua tomada por policiais. Um desses policiais acaba o atacando, o que resulta no momento mais legal do episódio: um enorme Shoggoth sai de baixo da terra e protege Tic. Ao que parece, o feitiço de Christina funcionou.

O Shoggoth faz a sua destruição em massa, acabando com todos os policiais e dando tempo para Leti ajudar Tic a se esconder das balas. Após a batalha, Shoggoth e seu dono se tornam amigos.

Do outro lado da cidade, Diana está à espera de Topsy e Bobsy para finalmente enfrentá-las. Durante o confronto, infelizmente, Montrose aparece e paralisa Diana, a tornando alvo fácil dos monstros. Ela está amaldiçoada, e o desenrolar de sua situação será conhecido no próximo episódio.

Jig-A-Bobo é talvez um dos episódios com mais cenas de ação desde Whitey’s On The Moon, o segundo episódio da série. Como tivemos vários acontecimentos simultâneos, em diversos arcos, é necessário um trabalho muito maior para entregar um final com coerência e mantendo o espectador interessado nos próximos acontecimentos.

Misha Green não só roteirizou, como também dirigiu esse episódio e merece todos os créditos por sua obra. Todos os detalhes, o tom e o desenrolar da história são méritos da showrunner, que tem feito grandes mudanças em relação à obra original e acoplado suas próprias referências em meio à história.

Todo o arco de Bobo foi conduzido de forma magistral e, mesmo para aqueles que não estavam prestando atenção aos detalhes, é impossível ignorá-lo nesse novo episódio. A construção foi extremamente bem feita, criando a narrativa aos poucos e usando o gancho desse pesadelo para desenrolar o tom de terror que assombra Diana ao longo do episódio.

Misha Green merece todos os méritos pelo ótimo trabalho feito ao longo desses 8 episódios de Lovecraft Country. Que tenhamos a oportunidade de consumir outros trabalhos da diretora e roteirista nos próximos anos.

Os efeitos especiais desse episódio são outro ponto a ser destacado. A cena de transformação entre Ruby e Christina foi extremamente bem feita. Foi a primeira vez que vimos Ruby se transformar em Dell, e a cena não poderia ser mais impressionante e bem conduzida. Os efeitos durante a chegada do Shoggoth também foram incríveis!

REFERÊNCIAS

Uma das referências mais claras nesse episódio é ao livro A Cabana do Pai Tomás. A publicação foi escrita por Harriet Beecher Stowe entre 1851 e 1852.

O livro chegou a ser o segundo mais vendido nos Estados Unidos – ficando atrás apenas da Bíblia – e, futuramente, ganhou uma adaptação em formato de novela.

A Cabana do Pai Tomás narra os sofrimentos de Tomás, personagem principal da obra, após ser vendido a um traficante de escravos. O romance é considerado um marco na literatura por ser um texto contra a escravidão, impulsionando movimentos antiescravagistas.

Quando Diana está delirando por causa do feitiço que Lancaster lançou nela, ela olha para o livro e vê Topsy – em uma releitura monstruosa – na capa da publicação.

Topsy é uma personagem do livro que possuía características indisciplinadas como consequência à brutalidade da escravidão. Devido a algumas adaptações da obra, na época de Jim Crow, durante muitos anos Topy foi considerada um “alívio cômico”.

Entretanto, o entendimento sobre a personagem foi ressignificado com os avanços e debates sobre a obra, sendo hoje considerado um terrível estereótipo das jovens negras. Essa ideia estereotipada se encaixa também com o termo “pickaninny“, que é um conceito caricato das crianças negras.

Logo quando Diana é enfeitiçada, ela olha a propaganda de um cereal colada na parede. Os olhos dele se mexem, acompanhando enquanto ela foge dos policiais. Esse homem era o rosto da marca de cereal Cream of Wheat e seu nome era Rastus.

A propaganda, extremamente popular em 1921, trazia um homem branco com blackface e utilizava de uma linguagem “ignorante” para criar um estereótipo sobre o população negra.

A mensagem que ele traz nas mãos na propaganda é a seguinte:

“Talvez o Cream of Wheat não tenha vitaminas. Eu não sei o que essas coisas são. Se forem insetos, não têm creme de trigo, mas é bom de comer e barato. Custa cerca de 1 centavo para uma grande porção.”

No momento que vemos Diana enfrentando Lancaster e indo embora da hospedaria, um voiceover é utilizado como plano de fundo para a sua fuga. A voz que escutamos é de Naomi Wadler, uma jovem de 11 anos de idade em seu discurso no “March for our Lives“.

O protesto surgiu em resposta ao massacre ocorrido na escola Marjory Stoneman Douglas em Fevereiro de 2018.

A expressão “Jig-A-Bobo” é uma referência ao termo pejorativo “jigaboo“. A palavra está atrelada aos termos manso ou serviçal, o que casa com as expectativas dos donos de escravos. O jogo de palavras utilizado nesse episódio é bem inteligente, pois pode remeter também à história do personagem Bobo – que foi assassinado por Roy Bryant e J.W. Milam em 1955.

Quando Christina comenta que Hiram perdeu o próprio braço tentando decifrar as páginas de Braithwhite, somos remetidos à lembrança daquele braço preso nas profundezas da casa Winthrop – antes dos nossos heróis abrirem o alçapão e encontrarem as páginas.

VEREDITO

Com um episódio repleto de ação e terror, Jig-A-Bobo é mais um grande acerto de Lovecraft Country nessa temporada. Mesmo não sendo o meu favorito, é um episódio de grande qualidade e atento aos detalhes, que cria uma impecável atmosfera lovecraftiana.

4,0 / 5,0



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