“Túmulo dos Vagalumes é belo, inocente e desolador na mesma medida.”
Guerra é uma temática que sempre rendeu ótimos longas-metragens. Clássicos da sétima arte como Apocalypse Now (1979), A Lista de Schindler (1993), O Resgate do Soldado Ryan (1998), Dunkirk (2017) e outros, abordaram conflitos históricos de maneiras diferentes e através de perspectivas díspares. Por conta disso, nós, espectadores, temos hoje uma vasta lista de obras do gênero para prestigiar.
No entanto, raramente encontramos animações que abordem esse tema, pelo menos não de uma maneira tão desoladora – alguns dos poucos títulos que me veem à mente são Quando o Vento Sopra (1986), Gen, Pés Descalços (1983) e, é claro, a nossa indicação do TBT do Feededigno dessa semana, O Túmulo dos Vagalumes, a segunda animação do Studio Ghibli, lançada em 1988.
O longa foi muito elogiado por críticos e a sua popularidade perdura até hoje como um dos filmes de guerra mais comoventes de todos os tempos.
Ambientada em 1945 no Japão, a história acompanha o jovem Seita e a pequena Setsuko, dois irmãos tendo que sobreviver aos horrores da Segunda Guerra Mundial. Com a cidade onde vivem sendo destruída por bombardeios incendiários, eles precisam lidar – sozinhos, pois o pai está no conflito e a mãe morreu por causa dos ataques –, com a destruição e a fome, já que recursos básicos como água e comida estão escassos.
O QUE ORIGINOU O ANIME
A animação foi inspirada no livro semi-autobiográfico do falecido autor Akiyuki Nosaka. Nascido em 1930, em Kamakura, cidade próxima a Tóquio, Nosaka perdeu grande parte da família no último ano da Segunda Guerra Mundial em ataques de bombardeios aéreos. Tal experiência originou em 1967 o livro Hotaru no Haka, traduzido como Túmulo dos Vagalumes, que conta a história de duas crianças órfãs durante o conflito.
Com direção do também já falecido Isao Takahata, responsável por fundar o Studio Ghibli ao lado de Hayao Miyazaki e outros parceiros, o anime teve a participação do Miyazaki na direção e com alguns elementos de enredo, mas ele pediu para não ser incluso nos créditos.
Takahata era conhecido como um dos maiores gênios da animação japonesa e foi responsável por títulos como Horus: O Tempo do Sol (1968) e O Conto da Princesa Kaguya (2014), sendo Túmulo dos Vagalumes a sua obra de maior destaque, e não é difícil entender o porquê.
UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA
“21 de Setembro de 1945. Essa foi a noite em que morri“ (Seita).
O roteiro de Túmulo dos Vagalumes nos apresenta uma tragédia anunciada, e por isso inevitável, logo na cena de abertura do filme [selecione o texto caso queira ler o spoiler]: Seita agoniza até a morte em uma estação rodoviária enquanto é observado pelo seu próprio espírito, após morrer, ele reencontra a irmã, Setsuko, na ultravida e finalmente podem ficar juntos novamente.
A partir daí passamos a acompanhar a jornada dos irmãos através de flashbacks já sabendo qual será o desfecho, o que torna a experiência ainda mais angustiante. Há quem compare a narrativa de Túmulo dos Vagalumes com as narrativas das grandes tragédias gregas, pelo fato de apresentar logo no começo qual será o fatídico final de seus protagonistas. Sim, é uma escolha arriscada, porém quando bem trabalhada o resultado pode ser excelente.
Tudo isso aliado à construção dos personagens, a profundidade da relação entre os irmãos, que é construída de maneira linda e convincente, torna o filme belo, inocente e desolador na mesma medida.
Além disso, a música e os momentos de silêncio ajudam a criar uma atmosfera melancólica presente em boa parte da projeção.
A MAGIA DO STUDIO GHIBLI
O Studio Ghibli é um dos estúdios de animação mais importantes do mundo. Com certeza você já assistiu ou ouviu falar de clássicos como Meu Amigo Totoro (1988), A Viagem de Chihiro (2001), O Castelo Animado (2004), As Histórias de Marnie (2014) e outros, que são obras imprescindíveis para quem é fã de animações.
Histórias cativantes e sensíveis, delicadeza, personagens carismáticos e enredos repletos de fantasia são algumas das principais características presentes em seus filmes e contribuem para a magia dessas produções. Túmulo dos Vagalumes não é diferente. Tirando apenas o teor mais fantasioso, os fãs conseguem encontrar muitos elementos já estabelecidos pelo estúdio. Porém, a película conta também com um forte teor gráfico.
Outro ponto alto é a qualidade artística da animação, a estética é linda assim como as expressões dos personagens são muito bem feitas.
PERSONAGENS
Mesmo se tratando de um filme de guerra, o foco do roteiro não está no conflito em si, mas sim em seus protagonistas e na sobrevivência dos mesmos. Em muitos momentos, onde a projeção nos permite respirar um pouco com a leveza e a afabilidade presentes em outros trabalhos do estúdio, a ameaça dos ataques é esquecida e enxergamos o conflito como uma motivação inicial da narrativa; é o suficiente para termos um pouco de esperança, mesmo que ela seja destruída na cena seguinte.
Falando um pouco dos personagens, a pequena Setsuko é a personificação da inocência de uma criança, e ver essa inocência sendo destruída ao longo do filme é um soco no estômago. O Seita representa o adolescente que é obrigado a assumir grandes responsabilidades mesmo sendo muito novo e o seu senso de proteção ajuda a trama avançar. Mesmo ele tomando algumas atitudes questionáveis para um contexto de guerra, conseguimos nos colocar imediatamente no lugar dele, até porque ele também é uma criança tendo que sobreviver e cuidar de sua pequena irmã.
METÁFORAS
Túmulo dos Vagalumes tem muitos simbolismos impressos nas entrelinhas. Um dos principais deles está presente em uma fala da Setsuko quando ela descobre que os vagalumes tem um curto período de vida:
“Por que os vagalumes morrem tão cedo?.”
Existem várias metáforas às quais os insetos luminosos estão relacionados. Com essa frase, por exemplo, podemos fazer uma analogia aos seres humanos e como a nossa estadia no mundo é efêmera ou como os momentos de felicidades podem durar tão pouco, assim como a vida desses insetos. Mas essa é apenas uma das interpretações possíveis, deixa nos comentários qual foi a sua.
Mesmo com uma narrativa sem grandes reviravoltas, o anime nos prende do inicio ao fim, por mais que saibamos como o final da jornada será devastador. Sim, é triste e desumano, porém necessário para refletirmos.
Em 2005 o longa ganhou uma versão em live-action que segue quase arrisca o argumento da versão original, mas com algumas diferenças.
E aí, o que achou da indicação dessa semana? Se você ainda não viu Túmulo dos Vagalumes eu recomendo que veja, porém vá sabendo que não vai ser uma experiência fácil, mas posso garantir que valerá muito a pena! Já assistiu? então deixe seus comentários e sua avaliação e lembre-se também de conferir nossas indicações anteriores 😉