“Em algum momento você tem que decidir quem quer ser. Não pode deixar que ninguém decida por você.”
(Juan)
Moonlight: Sob a Luz do Luar me marcou por inúmeros motivos, e tem uma palavra com a qual posso resumir todos eles: identificação. Acredito que qualquer pessoa LGBTQI+ ao assistir a esse filme irá se identificar com o personagem principal em algum momento, principalmente se essa pessoa precisou – ou precisa -, reprimir, ou teve a sua orientação sexual reprimida – não demonstrando fragilidade ou sensibilidade – como se fosse algo errado e que necessitava ser escondida para não ser alvo de homofobia, dentro ou fora de casa.
O longa tem um roteiro dividido em três atos e acompanhamos a jornada de autodescoberta, preconceitos e desejo de encontrar seu lugar no mundo de Chiron (interpretado pelos atores Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes em momentos distintos), um menino negro, pobre e homossexual que vive na periferia de Miami. Ao longo dos 110 minutos de duração do filme, é contada a história do personagem em três fases diferentes da vida dele (infância, adolescência e vida adulta) e como sua relação com a mãe, uma dependente química interpretada impecavelmente por Naomie Harris (007 – Operação Skyfall) e com o traficante Juan, vivido pelo incrível Mahershala Ali (Green Book: O Guia), influenciam no adulto que ele virá a se tornar.
BARRY JENKINS E A SUA JORNADA ATÉ ESTA OBRA-PRIMA
Barry Jankins cresceu em Liberty City, Miami, teve uma infância bem complicada por causa da sua raça e classe social, e através do esporte conseguiu mudar a sua vida. Barry jogava futebol americano, o que lhe rendeu uma bolsa na Florida State University. Inicialmente ele queria ser professor, depois escritor e só mais tarde decidiu fazer cinema, mas só depois de cinco anos após se formar conseguiu realizar seu primeiro longa-metragem Medicine For Melancholy, de 2008 e escrito por ele mesmo. O filme foi produzido com pouco dinheiro e com equipe reduzida, no entanto, passou em vários festivais.
Oito anos depois, tendo como base a peça In Moonlight Black Boys Look Blue de Tarell Alvin McCraney, Jankins fez a sua obra-prima Moonlight: Sob a Luz do Luar, e com esse trabalho conseguiu algo que era considerado impossível: ter um filme escrito, dirigido e atuado por negros reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, levando, inclusive, a estatueta da categoria principal.
ROTEIRO, DIREÇÃO E FOTOGRAFIA
Barry Jenkins assina o roteiro ao lado de Tarell Alvin McCraney. O texto não permite reduzir o Moonlight a um longa apenas de questões raciais ou LGBT, ele une vários dramas humanos para criar uma história simples, mas tematicamente complexa e que prova como o talento é a peça fundamental para criar uma obra capaz de encantar, emocionar e fazer refletir. O longa não cai no óbvio em momento algum, optando sempre por tomar caminhos inesperados ao longo da projeção. A última sequência mostra isso, ao invés de revelações bombásticas ou algo do tipo, a conclusão nos apresenta uma cena de delicadeza e sensibilidade quase inigualáveis onde a vida afetiva de dois homens está em jogo.
Jenkins conduz o filme com maestria, movimentando a câmera com muita leveza e sabendo a hora de deixa-la parada para intensificar momentos. O diretor sabe criar cenas marcantes e simbólicas. Por falar em simbolismos, gostaria de destacar aqui a cena em que o Juan – que nos presenteia com uma quebra do estereótipo do traficante que estamos acostumados a ver e o personagem no qual o protagonista encontra uma figura paterna – ensina Chiron a nadar. Essa parte do longa nos permite associar o processo do garoto aprender a dar as primeiras braçadas no mar com ele aprendendo a superar seus medos, e em ambas a situações a presença de alguém em que se possa confiar é extremamente importante.
O diretor de fotografia James Laxton (Se A Rua Beale Falasse), faz um excelente uso das cores. Para exemplificar isso podemos analisar a cena em que Paula, mãe de Chiron, é vista banhada em vermelho ao sair do quarto onde provavelmente estava com um cliente (ela se prostitui para bancar seu vício em drogas).
AS CONQUISTAS DE MOONLIGHT
Após duas edições do Oscar criticadas pela falta de diversidade entre os indicados, Moonlight: Sob a Luz do Luar foi o grande vencedor na categoria principal da noite da premiação em 2017, desbancando o favorito La La Land de Damien Chazelle. O filme foi indicado em oito categorias e venceu em três: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante para Mahershala Ali.
Barry Jenkins foi o quarto diretor negro a concorrer na categoria de Melhor Direção – os outros foram John Singleton, por Os donos da Rua (1991); Lee Daniels, por Preciosa: Uma História de Esperança (2010); e Steve McQueen, por 12 Anos de Escravidão (2014). Um feito inédito alcançado pelo longa foi a indicação da primeira mulher negra para disputar a estatueta de Melhor Montagem, a Joi McMillon infelizmente não venceu, mas com certeza fez história.
“NÓS SOMOS AQUELE GAROTO”
A jornada de Chiron que vemos no filme é baseada na vida do diretor e do criador da peça que deu origem ao roteiro – ambos cresceram em bairros periféricos de Miami e também tiveram mães viciadas em drogas -, exatamente por conta disso a história é contada com tanta propriedade. Por terem compartilhado a mesma vivência a qual o protagonista está inserido no longa, Barry e Tarell fizeram com que fosse possível imprimir veracidade ao tratamento dos fatos.
Após a cerimônia do Oscar 2017, Barry Jankins divulgou o discurso que tinha preparado e não leu por causa da confusão na hora de anunciar o filme vencedor da noite. No texto, o diretor fala sobre a relação dele com o personagem e sobre sonhos. Leia-o na íntegra abaixo:
“Tarell [Alvin McCraney] e eu somos Chiron. Nós somos aquele garoto. E, quando você assiste Moonlight, você não supõe que um garoto que cresceu como e onde crescemos iria crescer e criar uma obra de arte que ganha Oscar. Eu falei muito disso, e eu tive de admitir é que introjetei aquelas limitações em mim mesmo, eu neguei aquele sonho a mim mesmo. Não você, não qualquer outra pessoa – eu. E então, a todas as pessoas que, assistindo a isso, se enxergarem em nós, deixem que isso seja um símbolo, uma reflexão que leve vocês a amar a si próprio. Porque fazer isso pode ser a diferença entre sonhar e, de alguma forma, graças à Academia, realizar sonhos que vocês nunca se permitiram ter. Amor.”
Confira o trailer legendado abaixo:
Moonlight: Sob a Luz do Luar está disponível no catálogo da Netflix. E aí, o que achou da recomendação desta semana? Conta para a gente aqui nos comentários e lembre-se de deixar sua avaliação!
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