Início GAMES Artigo Coronavírus: As pessoas estão buscando nos games o conforto em tempos incertos

Coronavírus: As pessoas estão buscando nos games o conforto em tempos incertos

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Para aqueles que nunca os jogaram, os videogames podem ser um bode expiatório conveniente. Tais pessoas poderiam te dizer que os games são uma ameaça para a sociedade – pintados geralmente pela imprensa como um bicho de sete cabeças, ou algo destrutivo, o Daily Mail por exemplo, no ano de 2004 contou com duas matérias vergonhosas, intituladas: Assassinato por PlayStation e Banir esses jogos do mal.

Essa realidade é bem diferente: os games podem e são uma força para o bem. A verdade é que os games podem ser usados até mesmo para fins educacionais.

Eles melhoram a saúde mental – servem como tratamento para desordens cognitivas e melhoram as habilidades sociais de portadores de dificuldades de aprendizagens.

Eles podem contar também com benefícios físicos: assim como melhor a coordenação mãos/olhos e o tempo de reação, onde são usados em fisioterapias e até mesmo em terapias ocupacionais, e podem ser prescritos até para controle da dor.

Games podem ser educativos, e pode aumentar a conscientização acerca de questões reais. O game da Ninja Theory de 2018, Hellblade: Senua’s Sacrifice venceu diversos prêmios, em parte, graças ao seu retrato muitas vezes angustiante e totalmente convincente de um personagem com psicose.

O desenvolvedor de Cambridge envolveu uma grupo de profissionais de saúde mental no processo de desenvolvimento do jogo, e uma visão profunda da natureza das doenças mentais foi o resultado. Além disso, ao longo da última década, outra tendência surgiu: a indústria de games e o setor de caridade tem se juntado de uma forma incrível.



Construindo um mundo melhor através dos games

Talvez o melhor exemplo para isso seja a SpecialEffect, uma instituição de caridade empregando cerca de 30 pessoas em Oxfordshire. E é conhecida por desenvolver e adaptar hardwares e softwares que permitem as pessoas com deficiências físicas possam jogar videogames.

O fundador da instituição de caridade e presidente Dr. Mick Donegan revelou em uma entrevista que:

“A SpecialEffect parte da premissa de ensinar o que foi aprendido com uma equipe multiprofissional: há pessoas que tem um histórico como designers, terapeutas ocupacionais, educadores e psicólogos. Nós fornecemos avaliações individuais e apoios ao longo da vida a pessoas de todas as idades, com diversas deficiências, sejam elas mentais ou físicas. O que nós queremos, é disseminar cada vez mais o que aprendemos um com os outros, ao trabalhar com indivíduos que pode beneficiar o mundo todo. Isso provavelmente parece simplista e extremamente ambicioso, mas essa tem sido sempre a nossa meta: começar no intensivo apoio um-a-um, resolvendo problemas quase impossíveis diariamente com pessoas com as necessidades mais complexas, para que nós possamos então compartilhar o que nós aprendemos com os desenvolvedores.”

A SpecialEffect teve entrada no mercado por meio do mundialmente famoso Microsoft Xbox Adaptive Controller, tendo experiência em criar controles customizados para pessoas com as mais diversas deficiências físicas.

Donegan descreve o mais recente software da instituição de caridade, o Eye Mine, – distribuído de graça – que interage com um controle que detecta a direção dos olhos, proporcionando assim um movimento in-game em Minecraft, por exemplo:

“Na minha experiência muitas pessoas podem mover seus olhos com uma facilidade muito maior do que podem mover qualquer parte do corpo, mesmo que eles possuam qualquer tipo de deficiência severa. E não há um grupo que precisa jogar mais do que esse.”

O co-fundador do GamesAid, Andy Payne apontou outro aspecto de extrema importância no trabalho da SpecialEffect:

“Sua habilidade de empoderar os deficientes físicos: ‘em suas vidas normais, francamente, eles são tratados de forma errada por nós que não temos qualquer tipo de deficiência. Mas online, quando eles tem em seu poder seus controles adaptados, eles são um avatar e ninguém os vê em uma cadeira de rodas, por exemplo, e eles se sentem como crianças normais, como elas deveriam ser vistas. Online, todos os preconceitos acerca de deficiências começam a ir embora, e para muitos deles, isso é completamente transformativo.”

A GamesAid é o equivalente da indústria de jogos do Reino Unido ao Comic Relief*. Payne explica que:

“A GamesAid é uma lição de democracia, muitos de nós pensamos que seria uma boa ideia para a indústria de game tomar a liderança e assumir algumas responsabilidades, e arrecadar algum dinheiro. Ao invés de criar uma fundação ou até mesmo apelar para a caridade, nós percebemos que há muitas instituições de caridade no Reino Unido. Então, nós criamos a GamesAid, o que é um pouco parecida com a Comic Relief, para arrecadar dinheiro e criar conscientização.”

*A Comic Relief é uma instituição de caridade baseada no Reino Unido que tem como missão criar um mundo livre da pobreza.

Andy Payne explica que a GamesAid conta com diversos voluntários de dentro da indústria de games, que se envolvem e opinam qual instituição de caridade deve receber uma parte do valor arrecadado.

Os valores arrecadados para as instituições de caridade são recebidos por meio de eventos como golf, jogos de sinuca, corridas patrocinadas, corridas, natação e até mesmo pacotes digitais, em que os gamers podem comprar esses pacotes em que uma parte da quantia será revertida para essas instituições.

Um ótimo exemplo vindo do setor de games, é o lindo War Child, uma instituição de caridade criada com o intuito de conscientizar acerca das crianças que tem suas vidas afetadas por guerras e conflitos.

O game de 2014 da 11-Bit Studios, This War of Mine, foi inspirado por um cerco em Sarajevo, na guerra da Bósnia que focou nos efeitos da guerra nos civis, e foi tão poderoso, e tão provocativo que inspirou a War Child.

11-11: Memories Retold, lançado em 2019, desenvolvido pela Aardman e publicado pela Bandai Namco, foi apoiado por um item do DLC que arrecadou dinheiro exclusivamente para a War Child.

O chefe dos games da War Child, Wayne Emmanuel diz que:

“Há uma narrativa separada ambientada na mesma linha temporal que 11-11, mas da perspectiva de duas crianças. Enquanto War Child, nós queremos amplificar a voz das crianças que foram afetadas por conflitos armados ou guerras, e nós pensamos que era a melhor forma de fazê-lo. Essa foi parte da nossa campanha de Armistício que acontece todo ano.”

War Child conta com inúmeras campanhas todo ano, relacionadas a games – junto da campanha do Armistício, Wayne Emmanuel destaca:

“Dia da Garota, War Child FC ou Replay, que é focado em retro gaming. Nós temos várias campanhas que nos permitem falar com diversos estúdios e gêneros.”



Aproveitando Minecraft

Longe de todo setor de caridade, outro exemplo do poder terapêutico dos games tem surgido nos últimos anos.

Keith Stuart, editor de games do The Guardian, fez sua estreia no mundo da literatura em 2017, com o livro intitulado Um Menino Feito de Bloco, um trabalho de ficção inspirado nas experiências de Stuart com seu filho autista Zac, e as experiências transformativas de Minecraft.

Stuart começa a história com:

"Nós sabíamos mesmo antes dele completar os 18 meses que ele havia se desenvolvido mentalemente diferente de seus amigos. Ele tinha um vocabulário limitado. Ele achou o parquinho da escola aterrorizante, pois era tão barulhento e caótico. Eventualmente, ele foi diagnosticado dentro do espectro autista."

Quando Zac tinha quase sete anos, a única coisa que o fazia focar, era jogar no iPad. Keith Stuart então comprou uma versão de Minecraft para o Xbox 360.

"Eu imediatamente pensei que seria bom para o Zac. Quando eu cheguei em casa, eu sentei do lado dele, em frente ao Xbox 360, coloquei Minecraft, entreguei o controle para Zac, e esse foi um daqueles momentos da lâmpada na cabeça. Ele instantaneamente entendeu o que precisava fazer em Minecraft, e ele o fez."

Minecraft teve um efeito transformador em Zac.

"Tão logo quanto ele começou a construir coisas em Minecraft, ele desenvolveu um vocabulário mais extenso, em um espaço de poucas semanas, pois ele queria compartilhar aquela experiência conosco. E ele também lutava na escola para socializar. Mas se nós convidássemos seus colegas da escola para ir até em casa e jogar com ele, pela primeira vez na vida, ele se tornava o líder social. Pois Minecraft dava a ele a distração que o permitia falar sem todas as preocupações que ele normalmente tinha sobre socializar."

As notícias acerca do potencial terapêutico de Minecraft nas pessoas dentro do Espectro Autista desde então, se espalhou, e hoje em dia, a Microsoft dedicou um servidor para PC apenas para aqueles dentro do Espectro, chamado de Autcraft.

"Minecraft criou uma comunidade para pessoas que nem sempre tem a chance estar em comunidades ou socializar com grandes grupos. E o game foi capaz de criar uma mini-civilização online para pessoas neuroatípica. Eu acho que mais do que tudo que encontrei, isso mostra o valor dos videogames."

Mark Griffiths, professor de Vício Comportamental no Departamento de Psicologia na Nottingham Trent University, é um gamer por mais de 30 anos, e tem experiência quando falamos dos efeitos psicológicos que os games têm na vida das pessoas. Em uma entrevista, ele revelou parte das suas pesquisas, que dizia que:

"O ponto básico é que: Não há evidência de que jogar de forma moderada tem qualquer efeito negativo, e a maioria das pesquisas mostram que tem efeitos positivos. Eu publiquei pilhas e pilhas de pesquisas sobre os efeitos positivos de jogar, mas é claro, que é sempre o lado negativo que fica com a atenção. Os efeitos negativos são desencadeados apenas em uma minoria dos indivíduos."

Um dos itens da pesquisa que mais saltam aos olhos, é que os games podem ser usados para acabar com o uso de analgésicos:

"Videosgames são tão cativantes, que você esquece de todo o resto. Você encontra estudos e mais estudos mostrando que se as crianças puderem jogar videogames quando eles passarem por processos dolorosos como uma sessão de quimioterapia por exemplo, eles precisarão significativamente de menos analgésicos."

O maior benefício dos games não param aí.

"Eu lembro de anos atrás, quando jogava Sim City como uma forma de ensinar economia, por exemplo. Nos games, quando você faz as coisas, você percebe que suas ações têm consequências. Eu sempre discuti que até mesmo os games particularmente mais violentos, contam com estratégias que envolvem a sua habilidade em solucionar problemas e suas habilidades cognitivas; mesmo games que te apresentem conteúdo de moralidade duvidosa, podem surtir efeitos positivos. Toda semana, eu recebo e-mail de um pai cujo filho é viciado em redes sociais e videogames, eu costumo perguntar a razão deles acharem isso, e eles normalmente respondem que: 'Pois ele passa três ou quatro horas por dia nisso.' E eu respondo dizendo que psicólogos tem um veredito para isso: isso é o chamado 'normal'. O que os pais não gostam, é da ideia dos filhos passarem quatro horas nas redes sociais ou jogando videogames, porque isso é algo que os pais não fazem. Isso está relacionado ao gap de tecnologia geracional."

Para Mark Griffths, e qualquer um com uma perspectiva no mínimo racional pode ver que os games obviamente podem oferecer diversos benefícios.

Esta publicação foi traduzida do original People are turning to video games for comfort in uncertain times, but they've always been a force for good.



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