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EU CURTO JOGO VÉIO #49 | ‘Red Dead Redemption 2’ e as muitas mortes do ser

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Desde 2018 venho tentando escrever um texto que representasse tudo que vivi ao longo destes quase 7 anos desde o lançamento de Red Dead Redemption 2. Da mesma forma que o primeiro game da franquia fora um marco, sua sequência, que nos colocava no controle de Arthur Morgan talvez tenha sido o maior salto evolutivo dos games de sua geração.

Desenvolvido pela Rockstar Games, abordaremos no Jogo Véio desta semana, um dos jogos favoritos da vida, Red Dead Redemption 2. E já adianto que com certeza o texto abordará spoilers do game. Caso você ainda não tenha jogado o game e usufruído de tudo que ele tem a oferecer, recomendo que você retorne aqui após finalizá-lo, pois não quero estragar sua experiência.

Algo que difere o game de tudo que pode ser visto ao longo de outras jornadas, é a forma dele contar uma história única e lidar com a mortalidade e moralidade. Ao passo que nos distanciamos do primeiro game da franquia, nos aproximamos de tudo que Red Dead Redemption 2 é, mais do que a jornada de Arthur Morgan, mas também uma história de como o que era conhecido como o ‘velho oeste’ passou a ser eclipsado pelo dito progresso.

Red Dead

Seja em uma, duas, três ou muitas outras runs, algo é impossível de fazer: Não há como salvar Arthur.

Seja sendo minucioso, ou evitando ao máximo avançar, ou prosseguir sem completar a missão “Money Lending and Other Sins” Parte III, não há como avançar e descobrir o resto da história. Vale lembrar que esta missão se desenrola ainda no capítulo 2, em cerca de 18-20% do jogo principal, isso e você tiver completado todas as secundárias.

Personalidade e moralidade

O desenrolar do game pode se dar da maneira como o jogador quiser. Seja de forma lenta, realizando desafios de caçada, encontros aleatórios, missões secundárias, testemunhando o que aquele mundo tem a te mostrar, ou ignorando tudo isso, indo direto à história principal. Mas já adianto, você pode perder muito se optar pelo segundo caminho.

Produzido pela Rockstar Games na RAGE, engine proprietária da desenvolvedora Nova Iorquina, a Rockstar Advanced Game Engine, desde seus primeiros momentos nos apresenta um mundo vivo, em que é quase impossível de ver as cordas sendo puxadas ao fundo, deixando apenas a beleza do que pode ser visto em tela. Nos lançando já em seus primeiros minutos em uma nevasca, a engine não demonstra medo ao nos apresentar sua física de partículas.

Seja maravilhados pela diversidade de personagens, mas também de narrativas contidas em uma só história, Red Dead Redemption 2 nos banqueteia com o que existe de melhor no mundo dos games: uma narrativa completamente diferente às que estamos acostumados. Com uma diversidade étnica absurda, desde os primeiros momentos a gangue Van der Linde possui 23 membros. Pessoas essas, que precisamos cuidar, após tudo dar errado depois um roubo em Blackwater. Os acontecimentos do roubo não são citados, mas o impacto desta história acompanhará os integrantes da gangue por toda a jornada.

Levando alguns deles para o caminho mais sombrio da jornada deles até aqui, inclusive Arthur, cabe a nós ajudá-los a fazer as pazes com isso e muito mais.

Ambientados de uma maneira lenta ao game desde seu primeiro capítulo, precisamos entender que aqui, nem tudo é como a gente imagina. Ao contrário de dinâmicas rápidas, correria ou desespero, Red Dead Redemption 2 tem seu próprio tempo para contar sua própria história. E por mais que às vezes, possamos acelerar as coisas, entendemos nos primeiros momentos que não é ideal.

Algo que estranhei da primeira vez com que tive contato com o game é pela forma com que interagimos com o mundo, desde conversas com transeuntes, até por como atiramos. Existe sempre um passo a mais do que nos outros games. Precisamos mirar, seja com a arma ou com os olhos até mesmo para conversar, cumprimentar, impedir que alguém reporte um crime cometido por nós.

Os crimes cometidos por nós podem ter um impacto maior na história e na forma como os personagens não jogáveis do mundo nos veem. A variedade de interações é algo que faz com que o game brilhe. A moralidade de Arthur, seja capturando fugitivos, realizando ações para ajudar os personagens do mundo, ou simplesmente não agindo como um fora-da-lei (por mais que Arthur o seja) garante que a nossa moralidade seja sempre colocada em xeque. Portanto, fique atento, o mundo do game pode ser ainda mais difícil do que é, caso você faça com que Arthur seja perverso.

O que Arthur era

O protagonista do game possui uma personalidade muito distinta. Diferente dos seus parceiros de gangue, a visão de mundo de Arthur é bem parecida com o que deveria ser o homosapiens médio. Disposto sempre a aprender com o novo, ele vê as mudanças do mundo como algo natural e entende que o progresso não vem de como a lei é aplicada, mas por respeitar o que as pessoas vivem e são. Mas reflete também o retrato de uma época, Arthur ainda é o que muito homens são hoje, reprimidos, impulsivos, autodestrutivos e também, cínicos.

Violento desde seus primeiros momentos e bem bruto com tudo, Arthur vê e entende que a era dos fora-da-lei está prestes a chegar ao fim. Os Pinkerton, símbolos de um progresso manchado de sangue, cercam a gangue Van Der Linde em nome dessa dita lei. Mas a cada uma de suas aparições, vemos que essa lei não é justiça, é apenas o coronelismo vestido com outro uniforme. Enquanto tenta fazer o que precisa para a sobrevivência do grupo, Morgan contrai tuberculose, e a partir daí, sua jornada e sua forma de ver o mundo passa a mudar para sempre.

O que a Rockstar faz aqui, é algo que pode ser comparado à uma obra de arte. De modo que não é possível ver tudo que o game tem a oferecer em apenas uma run, é necessário jogar duas ou três vezes para ver algo próximo como a totalidade do que a desenvolvedora queria oferecer.

A relação mais difícil de Arthur no game, talvez seja com aquele que desde seus primeiros momentos, o tem como um pai, Dutch, o líder da gangue é quem o criou, o ensinou a ler e escrever e ensinou a “ser um homem.”

O desenvolvimento de Arthur se dá de fato por suas interações com o mundo. De todos os 23 membros da gangue, Arthur possui mais afinidade com alguns seletos membros. Charles e Hosea são quem o faz ver o mundo como ele é. Tirando da visão de Arthur o véu que ainda abrilhanta os olhos de Dutch a crença de que ainda é possível ser um fora da lei no Oeste. Fazendo-o ver e acreditar que o que realmente importa são aqueles com quem você pode contar, Arthur tem seus embates com John Marston, personagem por quem ele parece nutrir um grande ódio, mas que no fundo, sabe que é uma pessoa boa, mas ainda precisa entender que suas responsabilidades vão além das do grupo, ele precisa cuidar de sua esposa Abigail e seu filho Jack.

Quem termina Red Dead Redemption 2 não vê mais o mundo da mesma forma, é como um indivíduo antes e depois do desenvolvimento completo do seu córtex pré-frontal. Assim como todos os personagens da história. Nenhum deles chega ao fim do game como começaram. John Marston no começo do game é um personagem completamente diferente do que quando o encontramos em Red Dead Redemption, bem como Dutch, Bill, Javier e Uncle.

As muitas mortes de Arthur Morgan

  • A primeira morte:

Quando o personagem contrai tuberculose. Mesmo sem saber, aquele evento muda sua vida para sempre. Dali em diante, sem perceber, a vitalidade do personagem passa se esvair aos poucos. E seus encontros com os personagens do mundo se dão de maneira que o tentam humanizar, apresentando sempre diferentes pontos de vista a respeito do mundo.

  • A segunda morte:

Quando Dutch passa a vê-lo como um inimigo, tudo muda. Quando os interesses do personagem passam a se mostrar cada vez mais deturpados por opiniões de um terceiro personagem, as decisões da gangue passam a ser guiadas quase que completamente pelos interesses de Dutch e o retorno financeiro que os “golpes” podem trazer, ignorando sempre quem pode morrer no processo.

  • A terceira morte:

Perceber que o sonho da Gangue Van Der Linde passou a ser o sonho de Dutch. Ignorando quase que completamente o bem-estar dos outros e mais uma ilusão do que um fato. Quando Dutch passa a agir movido pelo ego e sua paranoia, Arthur passa a perceber que o que o moveu ao longo de décadas deixou de ter propósito.

  • A quarta morte:

Arthur passa a perceber que o que ele considerava justiça, não passava de uma ilusão. O massacre em Saint Denis e a morte de um de seus melhores amigos mostram ao personagem que a vida criminosa não tem mais volta. Daí em diante, ele entende que o foco da gangue não é apenas sobreviver, mas sim, um ciclo de violência sem fim.

  • A quinta morte:

A morte de Hosea em Saint Denis faz com que Arthur passe a questionar tudo que fez e se este é o caminho certo. Quando Dutch se torna de fato o antagonista do game, Morgan entende que sua “família” morreu de uma vez por todas.

  • A sexta morte:

Com a tuberculose avançada, Arthur descobre que não tem mais tempo de viver outra vida, ou encontrar sentido para a vida que viveu de outra forma. Daí em diante, os jogadores precisam escolher como vão morrer, salvando uma família, ou indo atrás de dinheiro.

  • A sétima e última morte:

Nos atos finais do capítulo 6, Arthur abraça a morte como uma velha amiga, aceitando seu destino. Ele não luta mais por si, mas por John, Abigail e Jack. A morte definitiva do fora-da-lei e o nascimento do legado.

Veredito

Em seus momentos finais, Arthur entende que não possui uma saída. Abraçar a morte e salvar quem ele ama é a coisa certa a se fazer. Dependendo de onde sua moral/honra estiver na barra, a partir do Capítulo 5, o personagem passa a sonhar com um cervo ou um lobo. Os animais são reflexos do espírito de Morgan e o que ele viveu até ali. Emocionante em tudo que se propôs, talvez Red Dead Redemption 2 possua um dos arcos narrativos mais ricos e mais bem desenvolvidos de um personagem até o dia de hoje. É injusto dizer que o game precisa ser jogado com o tanto de spoilers que eu trouxe aqui, mas espero não ter estragado a sua experiência.

Outro aspecto que se tornou consequência do brilhantismo e da forma como os jogadores são recompensados pelo jogo é que em 2024 um estudo com base na teoria da auto determinação analisou como o sistema de honra influenciou positivamente jogadores com sintomas de ansiedade e depressão, mostrando como suas interações e ações auxiliaram no bem-estar de quem jogava.

Red Dead Redemption 2 talvez não seja para todo mundo. Talvez seus muitos sistemas confundam alguns jogadores, como o de Poker faz comigo, mas quando a virada narrativa chegar, quem se permitiu começar não vai abandonar o game antes do fim. Arthur Morgan, John Marston e talvez até mesmo Jack Marston sejam alguns dos personagens mais interessantes já criados pela Rockstar. E apesar de se tratarem de um reflexo histórico de um dos mais terríveis momentos dos Estados Unidos, o game reflita mais sobre humanidade do que qualquer um outro da desenvolvedora já ousou.

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