Considerado por muitos como o maior gênio do cinema e um homem à frente do seu tempo, Stanley Kubrick foi um cineasta, roteirista, produtor e fotógrafo estadunidense nascido em 26 de julho de 1928 em Manhattan, Nova Iorque.
Frequentemente apontado como um dos cineastas mais influentes do cinema, Kubrick foi eleito o sexto maior diretor de todos os tempos pelos cineastas pesquisados pelo British Film Institute e a revista Sight & Sound em 2002.
UM HOBBY QUE MUDARIA A SUA VIDA
Extremamente inteligente, mas facilmente entediado, Stanley Kubrick não era um estudante exemplar. Seu pai, um médico, tentou de tudo para fazê-lo se interessar pela escola e chegou a enviá-lo à Califórnia para passar um tempo com um tio, na esperança de que a mudança de ares ajudasse. Como presente de aniversário de 13 anos, ganhou uma câmera fotográfica, que logo se transformou em um hobby.
A fotografia sempre chamou atenção nos filmes do diretor, que sempre prezava pela simetria, profundidade e abusava da técnica do ponto de fuga. Dono de um preciosismo quase doentio, Kubrick começou sua carreira com 17 anos, como fotógrafo da Revista Look, onde começou a obter notoriedade.
INÍCIO DE CARREIRA
Trabalhando na Look, ele passou a frequentar o circuito de artistas e fotojornalistas e se interessou especialmente pelos trabalhos de Orson Welles (diretor de Cidadão Kane) e Sergey Eisenstein (diretor de A Greve). Resolveu experimentar e fazer seu próprio documentário, O Dia da Luta (1951), sobre a rotina de um lutador de boxe. A partir daí, foi fisgado pelo cinema e saiu da revista para se tornar aluno ouvinte em aulas de filme na Universidade Columbia.
E aos poucos de maneira experimental, Stanley Kubrick atribuiu um estilo próprio. Com o diretor, cada filme fala por si só, graças à apuração e maestria do seu trabalho, que desnudou características da sociedade moderna.
OS 10 MELHORES FILMES DIRIGIDOS POR STANLEY KUBRICK
O Dia da Luta (1951)
Documentário baseado em um artigo para a Look Maganize, conta a história de um dia na vida de Walter Cartier, um boxeador famoso. Durante o dia ele se prepara para sua luta noturna, enquanto cumpre compromissos rotineiros. À noite, ele se transforma em uma máquina mortífera de luta, enfrentando adversário peso-médio Bobby James.
Assim como Flying Padre (seu primeiro projeto), o objetivo de O Dia da Luta é simples: fazer uma espécie de documentário, em forma de curta-metragem, mostrando a realidade de alguém – aqui, o boxeador Walter Cartier. Mas diferente do anterior, esse já possui algumas características que já fogem ao documentário e acentuam a sagacidade de direção de Kubrick, como a trilha sonora bem elaborada e as tomadas e enquadramentos da câmera que, nos aproximam mais de Walter e fazem termos de empatia por ele.
Glória Feita de Sangue (1957)
Quando soldados franceses nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial recusam-se a continuar um ataque aparentemente impossível de se vencer, seus superiores resolvem levá-los à corte marcial, onde poderão ser julgados à morte.
Aqui, Stanley Kubrick capta o espírito da guerra com refinado realismo. Kirk Douglas pontua pesadamente em sua compreensão de que sua batalha é perdida contra o sistema, e George Macready, como o general implacável, instilado na crença de que uma ordem é uma ordem, mesmo que signifique a morte de milhares de pessoas, duvida do que pode ser considerado seu mais papel efetivo até o momento.
Inspirado por notícias reais de jornais, Glória Feita de Sangue, move-se rapidamente de um ataque mal concebido para a corte marcial que se segue. Enquanto a raiva ferve, a câmera de Kubrick permanece oculta, patrulhando as trincheiras, andando pelo tribunal. Pode ser conciso e implacável, mas o floreio final é talvez o grace note mais adequado.
Certa vez, o grandioso Kirk Douglas disse que não precisava esperar 50 anos para saber que Glória Feita de Sangue “sempre seria bom”. E vamos combinar? Kirk estava certo.
Spartacus (1960)
Na trama, Spartacus, nascido e criado escravo, é vendido para um treinador de gladiadores para disputar duelos mortais. Rebelde, consegue formar um grupo e libertar-se, tornando-se líder dos escravos e trazendo problemas à Roma.
Apesar das revelações do próprio diretor dizendo que não possuiu a liberdade criativa que precisava, Stanley Kubrick não deixa a desejar, o maestro sabe fazer um corte e como manipular o espectador a emoções daqueles que estão em cena.
Um bom épico histórico, foi um gênero bastante diferente dos filmes do diretor. Mas, nas décadas de 50 e 60 ocorreram muitos épicos bíblicos e relatando o Império Romano. Spartacus é um deles, e tem o protagonismo do lendário Kirk Douglas, que também foi produtor do longa.
Dr. Fantástico (1964)
Nessa sátira ácida que foi lançada quando o mundo vivia a Guerra Fria, um general completamente insano, Jack Ripper (Sterling Hayden), ameaça, durante uma reunião entre nações, neutralizar a U.R.S.S. com bombas nucleares, o que poderia gerar um holocausto fulminante na Terra. Todos os outros membros fazem de tudo para evitar. Entre eles está o ator Peter Sellers, que retrata três das pessoas que podem impedir a tragédia: o Capitão britânico Mandrake, o presidente norte-americano Merkin Muffley e o alemão bêbado Dr. Fantástico.
O filme consegue balancear bem as críticas e com isso satirizar igualmente os dois lados do conflito. Kubrick não poupa ninguém, políticos, religiosos e militares são igualmente ridicularizados. Aqui, o diretor usa muito os diálogos para apresentar críticas como o abuso de poder, a ambição desmedida e a falta de escrúpulos de homens que se julgam acima do bem e do mal, e que por isso, acham que podem fazer o que quiser. Esse é o clima: o verdadeiro caos generalizado.
2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)
Desde a “Aurora do Homem” (a pré-história), um misterioso monólito negro parece emitir sinais de outra civilização interferindo no nosso planeta. Quatro milhões de anos depois, no século XXI, uma equipe de astronautas liderados pelo experiente David Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood) é enviada a Júpiter para investigar o enigmático monólito na nave Discovery, totalmente controlada pelo computador HAL 9000.
Terminado um ano antes do primeiro pouso na Lua, a visão de Stanley Kubrick da era espacial ainda surpreende e convence incrivelmente. O filme se estrutura sem rigidez numa série de pontos de virada na evolução humana que se consolidou como um dos primeiros clássicos do gênero de ficção científica.
Estranho, único e inesquecível, 2001: Uma Odisseia no Espaço nos transporta para um outro universo, um que precisamos desacelerar, diminuir nossa exigência por cortes a cada três segundos (ou menos) e por ação ininterrupta. É um universo em que devemos observar. Ir além da narrativa e verificar os detalhes. Apreciar como o design da produção dá soluções criativas para a falta de gravidade, como Kubrick usa – ou deixa de usar – o som, a música, para marcar os momentos.
Laranja Mecânica (1973)
O anti-herói do filme é Alex DeLarge (Malcolm McDowell), um jovem líder de uma gangue de delinquentes, amante de leite, drogas e música clássica. Tem por diversão bater, estuprar, matar. Enfim, cometer qualquer brutalidade que tenha vontade, não se importando com as leis ou o senso humanitário. Quando finalmente é pego pela polícia, sofre um tratamento duro de reabilitação. E no momento em que Alex volta às ruas, totalmente regenerado, passa a sofrer com aqueles que antes eram as vítimas.
O filme é baseado do romance homônimo de Anthony Burgess, publicado em 1962. Explorando questões sociais e políticas intemporais, Laranja Mecânica reflete sobre temas como a delinquência juvenil, a psiquiatria, o livre arbítrio e a corrupção moral das autoridades. Perturbador e repleto de imagens cruas de violência, se tornou um filme cult, aclamado pelo público e a crítica, e apontado como uma das obras mais icônicas de Stanley Kubrick.
Barry Lyndon (1975)
Barry Lyndon foi um fracasso de bilheteria em sua época, mas o longa ganhou ares de superprodução com o passar dos anos. Novamente, o olhar apurado de Kubrick retrata com exatidão outro momento importante da História: a falência social e moral da aristocracia europeia.
Há aqui belas performances, bela cinematografia, e uma jornada única. Além de uma reflexão praticamente shakesperiana sobre o quão inútil é o que fazemos ou deixamos de fazer (em um contexto amplo, claro), quando no final tudo isso deixará de existir e será esquecido eventualmente por trás da cortina do tempo, que segue cruel e imperdoável.
O Iluminado (1980)
Esse filme tem um favoritismo especial pela autora dessa matéria.
Kubrick está tão vividamente em evidência quando ele usa uma câmera Steadicam para mover-se ao longo de vistas infinitas de corredores e quartos opulentos, onde por um lado temos Jack Nicholson que entrega uma atuação em enorme potencial de maneira incomparável, por outro temos a honrada Shelley Duvall onde pode nos conceder todas as suas expressões por exigências até exorbitantes pelo diretor, que preza pelo seu perfeccionismo intenso.
O filme definitivamente não é um filme de terror convencional, isso é certo, e sua aceitação pública sofreu por esse motivo. Stanley Kubrick cortou vinte e cinco minutos em uma edição desesperada de última hora antes de sua estreia na Grã-Bretanha, em um esforço para fazer o filme parecer mais convencional. Se O Iluminado não é considerado trivial, certamente encoraja alguém a pensar que é.
PUBLICAÇÃO RELACIONADA – Noites Sombrias #12 | Os 10 serial killers mais icônicos do cinema
Nascido Para Matar (1987)
Um sargento interpretado pelo ator R. Lee Ermey treina de forma fanática e sádica os recrutas em uma base de treinamentos, na intenção de transformá-los em máquinas para combater na Guerra do Vietnã. Após serem transformados em fuzileiros navais, eles são enviados para a guerra, e quando lá chegam, se deparam com seus horrores.
A experiência transmite as facetas da Guerra do Vietnã, deixando de lado os momentos épicos para focar nas tragédias particulares. Com um enquadramento preciso, uma trilha sonora marcante e um roteiro assíduo, o penúltimo longa dirigido por Kubrick demonstra o quanto os homens sem propósito da metade pro final do século XX estão propensos a se autodestruírem quando colocados sob pressão e disciplina extrema. Em resumo, essa é uma obra indispensável para qualquer amante de cinema e do gênero de guerra.
De Olhos Bem Fechados (1999)
Bill Harford (Tom Cruise) é casado com a curadora de arte Alice (Nicole Kidman). Ambos vivem o casamento perfeito até que, logo após uma festa, Alice confessa que sentiu atração por outro homem no passado e que seria capaz de largar Bill e sua filha por ele. A confissão desnorteia o sujeito, que sai pelas ruas de Nova Iorque assombrado com a imagem da mulher nos braços de outro. Ele acaba descobrindo um grupo sexual secreto e comparece a um dos encontros, percebendo que se envolveu mais do que deveria.
Intrigante, envolvente e com um leve toque de eroticidade. Stanley Kubrick cria uma atmosfera misteriosa maravilhosamente única, somos hipnotizados e atraídos da mesma maneira que Bill e questionamos a complexidade das intenções e relação como Alice. Poderosos diálogos e grandíssimo trabalho de direção.
Filme de muitas camadas e leituras.
De Olhos Bem Fechados foi o último filme produzido pelo diretor, com a incrível despedida de um espetacular mestre.
BÔNUS: AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE UM FILME “KUBRICKIANO”
PERSPECTIVA COMO UM PONTO DE FUGA
Desenvolvida no Renascimento, a técnica possibilita que objetos tridimensionais sejam representados em planos bidimensionais que até hoje influencia as artes. Como se percebe nas projeções mapeadas com vários pontos de fuga, a perspectiva procura representar o mundo, a partir de um ponto de vista fixo, da forma espacial como percebemos na imagem acima.
TRILHA SONORA MARCANTE
Kubrick entendeu como, além dos diálogos e ações dos personagens, a trilha sonora também é essencial para contar uma história. Fã de música clássica, abusou de Beethoven, Schubert e Bartók em seus filmes e acabou mudando a forma como as melodias eram percebidas no cinema.
EDIÇÃO
Stanley Kubrick participava de todo o processo, revendo cada tomada e pensando nas melhores soluções. Com isso, é conhecido por um dos match cut mais famoso do cinema em 2001 – Uma Odisseia no Espaço – quando o macaco arremessa o osso para cima e, por meio da edição, surge um satélite em órbita.
A técnica é usada para unir duas cenas, juntando o final de uma com o começo da outra. Os elementos não necessitam estar exatamente na mesma posição, mas precisa haver semelhança para poder relacionar.
OBSESSÃO PELO PERFECCIONISMO
O diretor carrega a fama de ser extremamente perfeccionista e querer controlar todos os aspectos em uma produção. Costumava pedir aos atores para refazer as cenas diversas vezes, chegando a, muitas vezes, causar um mal-estar no set.
O nova-iorquino gostava de ver seus filmes tomando grandes proporções, e, com isso, a meticulosidade crescia também. Nunca considerava uma história finalizada, a ponto de mudar inúmeras vezes o roteiro de De Olhos Bem Fechados durante as filmagens.
O que cabe a nós decidir se o olhar foi extremo demais ou se acabou tornando-se parte essencial do gênio responsável por mudar o modo de fazer cinema, Kubrick.
Curte nosso trabalho? Que tal nos ajudar a mantê-lo?
Ser um site independente no Brasil não é fácil. Nossa equipe que trabalha – de forma colaborativa e com muito amor – para trazer conteúdos para você todos os dias, será imensamente grata pela sua colaboração. Conheça mais da nossa campanha no Apoia.se e nos ajude com sua contribuição.