Em 1979, já um diretor consagrado, Francis Ford Coppola assumiu uma tarefa que quase tirou-lhe a sanidade. As filmagens de Apocalypse Now foram um pesadelo, com enfarte do protagonista, furacões e outros incontáveis problemas. Mas valeu a pena, ao menos para os milhões de cinéfilos em todo o mundo.
Apocalypse Now revelou-se, sim, um pesadelo, porém um pesadelo magnífico, um dos mais arrebatadores e poderosos filmes do cinema que completa 47 anos este ano.
SINOPSE
O Capitão Willard (Martin Sheen) recebe a missão de encontrar e matar o comandante das Forças Especiais, Coronel Kurtz (Marlon Brando), que aparentemente enlouqueceu e se refugiou nas selvas do Camboja, onde comanda um exército de fanáticos.
ANÁLISE
Baseado nos livros Despachos no Front e No Coração das Trevas, no auge da fracassada guerra do Vietnã, um coronel americano louco por poder se deserta do exército, e comanda uma tropa de nativos para resistir a outros brancos invasores. O Coronel Kurtz não é maluco por enxergar o imperialismo do seu povo e não aceitar sua manipulação, mas por reproduzi-lo nos vietnamitas por conta própria.
Nenhum estúdio de Hollywood queria nem ouvir falar de um filme sobre o Vietnã meses depois da derrota dos Estados Unidos na guerra mais controvertida de sua história. Coppola conseguiu o apoio da distribuidora United Artists, fundada por Charles Chaplin em 1930 para que os artistas não tivessem que depender dos estúdios comerciais, mas viu-se obrigado a negociar pessoalmente com os investidores e respaldar cada empréstimo com todas as suas propriedades e a receita que continuava sendo gerada com O Poderoso Chefão e sua sequência.
Na sua trilha sonora, se os soldados reais colocavam rock and roll para bombardear povoados vietnamitas, os do filme escutavam “Cavalgada das Valquírias“, de Wagner. Se o exército arrasou Vietnã com explosões de napalm, Francis Ford Coppola rodaria a maior explosão já produzida fora de uma guerra. Com 11 milhões de dólares de orçamento (mesma quantia de Star Wars), Apocalypse Now seria o primeiro blockbuster de arte e ensaio.
Um aspecto que é praticamente impossível de acreditar é como, mesmo com uma produção tão tumultuada, Coppola conseguiu a façanha de criar alguns dos momentos mais memoráveis já vistos em qualquer tela de cinema em qualquer lugar do mundo. O encontro de Kurtz e Willard, que na versão estendida ocupa quase uma hora, é o mais próximo que o cinema já chegou de se transformar em poesia. As cenas possuem um lirismo, tanto visual quanto textualmente, que transcendem a definição de cinema que todos conhecemos, dirigindo-se a um ponto obscuro e adormecido na mente de cada espectador.
Francis Ford Coppola deixou que a estrela da trama, Marlon Brando, improvisasse reflexões filosóficas, bélicas e filantrópicas num monólogo de 18 minutos filmado nas sombras a pedido do ator, que não queria que sua envergadura física distraísse os espectadores. E chegou a colocar um fone no ouvido de Brando para recitar as suas frases.
As filmagens foram tão caóticas quanto a realidade que o filme quis mostrar. Martin Sheen, o ator principal, teve um ataque cardíaco logo de cara e quase morreu – Coppola teve de esconder isso dos produtores para o filme não ser cancelado. Brando chegou 40 quilos acima do peso, sem ter lido o roteiro. E o prazo de seis semanas de filmagem se estendeu para um ano e meio. Parece muito? A pós-produção demorou três anos, sem que Francis Ford Coppola se decidisse quanto à edição final das cenas. Demorou tanto que a imprensa começou a chamar o filme de “Apocalypse Nunca”.
Entre a insegurança com o próprio trabalho e pressões de todo lado, o diretor tomou uma decisão intempestiva: mandou para o prestigioso Festival de Cannes uma versão inacabada do filme – uma “obra em progresso”. E, mesmo assim, ganhou a Palma de Ouro. Era o começo da glória de um dos filmes mais inquietantes da história do cinema – que mostrou, melhor do que todos os outros, como a investida dos EUA no Vietnã foi uma temporada no inferno.
VEREDITO
Apocalypse Now é normalmente tratado como um dos melhores filmes já realizados e o maior protesto anti-guerra já posto em uma tela com uma jornada psicologicamente devastadora e surreal. É um complexo estudo sobre a dualidade e o conflito existente em cada ser humano. Uma análise pungente e hipnotizante sobre o frágil cordão que divide o nosso lado racional e irracional. É muito mais do que um filme sobre a estupidez da guerra, assumindo a posição de uma profunda reflexão sobre o ser humano e seus limites.
5,0 / 5,0
Assista ao trailer:
Inscreva-se no YouTube do Feededigno
Assista às nossas análises de filmes, séries, games e livros em nosso canal no YouTube. Clique aqui e inscreva-se para acompanhar todas as semanas nossos conteúdos também por lá!