Super-heroínas: 5 filmes em 50 anos e a representatividade boicotada nos cinemas

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Super-heroínas: 5 filmes em 50 anos e a representatividade boicotada nos cinemas

É inegável dizer que o Universo Cinematográfico Marvel reinventou a produção de filmes de super-heróis nos últimos tempos. Neste ano, estreou o primeiro filme de super-herói liderado por uma mulher do estúdio —  até então, outros 20 filmes foram lançados em 11 anos. Isso não acontece só com a Marvel Studios: hoje, no geral, são contabilizados somente cinco filmes de super-heroínas em 53 anos do gênero.

São elas Supergirl (1984), Mulher-Gato (2004), Elektra (2005), Mulher-Maravilha (2017) e Capitã Marvel (2019).

Apesar da categoria “super-herói” já existir nos cinemas desde 1966 com a estreia de Batman, estrelado por Adam West, apenas 18 anos depois surgiu o primeiro filme solo de uma super-heroína, com Supergirl  — em todos os outros casos, as personagens com superpoderes participavam em segundo plano ou faziam uma ponta em filmes com protagonistas masculinos.

Super-heroínas: 5 filmes em 50 anos e a representatividade boicotada nos cinemasSupergirl (Helen Slater) estreou como uma produção spin-off (obra narrativa originada a partir de uma ou mais obras já existentes) da prima do “verdadeiro” super-herói, Superman. Christopher Reeve foi o intérprete do personagem que teve seu primeiro filme lançado em 1978 e contou com mais três continuações. Isabel Wittmann, líder do coletivo Feito Por Elas, salienta que tanto Supergirl, Mulher-Gato e Elektra foram um fracasso devido à perspectiva da indústria cinematográfica que ainda vê a realização de um filme de super-heroína como um risco. Um longa ruim protagonizado por uma mulher pode invalidar, durante anos, diversos projetos com temas similares  —  o que não acontece quando homens são as estrelas de filmes fracos.

Wittmann comenta:

“Filmes ruins adaptados de quadrinhos, protagonizados por homens, também existiram nesse período do recorte. O fato de um filme com homem protagonista ser ruim ou ter um desempenho ruim seja na crítica, seja na bilheteria, nunca impediu os estúdios de continuarem fazendo esses filmes. Isso porque um protagonista masculino é encerrado em si mesmo, enquanto uma mulher precisa representar todas as mulheres.”

Super-heroínas: 5 filmes em 50 anos e a representatividade boicotada nos cinemasApós um hiato de duas décadas, em 2004, estreou o longa Mulher-Gato, protagonizado por Halle Berry, em uma personagem hipersexualizada  —  a anti-heroína Selina Kyle dos quadrinhos, na produção, dá lugar a uma mulher com calças de couro rasgada e o cós a um fio de mostrar mais do que deveria, barriga totalmente exposta e seios avolumados pelo sutiã também de couro.

Na época, Berry era um dos maiores ícones sensuais do cinema e também tinha faturado uma estatueta de Melhor Atriz no Oscar de 2002 com o filme A Última Ceia. Neste sentido, não se vê apenas o machismo, mas também o racismo em hipersexualizar não apenas o corpo de uma mulher, mas, principalmente, o corpo de uma mulher negra.

Mulher-Gato foi um dos filmes mais fracassados de toda a história do cinema, além de ter sido massacrado pela crítica. Entretanto, também foi um dos primeiros longas de super-heróis a ser liderado por uma estrela negra e feminina.

Recentemente, a representatividade começou a ser pauta forte na indústria cinematográfica, principalmente após a avassaladora estreia do premiado Pantera Negra (2018).

Durante seu discurso no GLAAD Media Awards de 2018, Halle Berry brincou:

Cada história semeia para a próxima. É como diz o velho ditado: por trás de cada Pantera Negra existe uma grande Mulher-Gato negra.

Adriana Amaral, mestre em Comunicação na Unisinos com formação enfatizada em Cultura Digital, destaca:

“Quanto mais diversidade entre as personagens, melhor. Tanto em termos de desenvolvimento do caráter e personalidade, como em termos de cor da pele, tamanho, idade, entre outros. A julgar por Mulher-Maravilha e Capitã Marvel, a resposta parece ser boa. Contudo, é preciso lembrar que esses filmes estão dentro de universos compartilhados e expandidos nos quais os personagens precisam funcionar.”

Enquanto o longa Mulher-Gato atuou como a reinvenção da personagem associada ao Batman, Elektra adquiriu o direito a sua própria história no ano seguinte, após aparecer como namorada de um super-herói em Demolidor – O Homem sem Medo, de 2003. Interpretada por Jennifer Garner, foi o primeiro filme de uma protagonista feminina da Marvel.

Na época, beirando a falência, a marca vendeu os direitos para o cinema de alguns dos seus personagens, como Homem-Aranha, X-Men e Blade. Naquele período, a Marvel Entertainment produziu Elektra  — três anos antes do lançamento de Homem de Ferro (2008), produção pioneira independente da Marvel Studios, que iniciou, assim, o seu Universo Cinematográfico.

Apesar de Elektra ter uma estética um pouco melhor e menos mal feita que Mulher-Gato, ela entrega apenas um filme de ação sem um enredo interessante, além de uma heroína tão “gostosa” quanto Halle Berry. A líder do coletivo Feito Por Elas, Isabel Wittmann questiona:

“A maioria das super-heroínas, por exemplo, são mulheres brancas, heterossexuais, cisgênero e com corpos normativos. Não que elas não possam ser protagonistas, mas quando todas as personagens têm essas mesmas configuração, então, que mulheres estão sendo representadas nessas narrativas?”

O Women in Film é uma organização norte americana dedicada a promover a igualdade de oportunidades para mulheres. A instituição foi a responsável pela criação do desafio #52FilmsByWomen com o objetivo de comprometer o público a assistir toda semana um filme dirigido por uma mulher.

Isabel Wittmann é membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e pontua que o fato da representatividade feminina ser pequena no gênero é apenas um dos problemas, pois, apesar de ser um alívio a possibilidade de poder ver um filme protagonizado por mulheres, a mera presença feminina não deveria bastar quando pensamos em termos interseccionais.

Foi então que, em 2017, foi lançado um grande divisor de águas para o que tange à qualidade de um filme de super-herói com uma protagonista feminina. Mulher-Maravilha faz parte da icônica trindade de heróis da DC, junto ao Batman e Superman.

Em décadas de produções cinematográficas do Homem-Morcego e o Homem de Aço, a Princesa das Amazonas possuía apenas a série televisiva estrelada por Lynda Carter, na década de 1970. Até então, os filmes de super-heroínas não tinham relevância para as produtoras.

Não apenas estrelado, mas também dirigido por uma mulher (Patty Jenkins), o filme Mulher Maravilha, de 2017, trouxe um novo tom ao gênero no cinema, tratando-se de representatividade. A atriz Gal Gadot, intérprete da Princesa Diana, recebeu olhares de desconfiança antes da sua estreia em Batman Vs Superman: A Origem da Justiça, longa que conta com a primeira aparição da personagem.

O corpo esguio de ex-miss era totalmente diferente daqueles corpos voluptuosos de mulheres hipersexualizadas   tanto nos quadrinhos, quanto nos últimos filmes do gênero. Apesar disso e da falta de experiência no cinema, Gadot conseguiu entregar uma personagem forte, feminina e cativante.

Isabel enfatiza que a mudança do cenário político em relação ao feminismo em Hollywood, com o movimentos de mulheres profissionais através do Me Too (2017) e Time’s Up (2018) (ambos sobre luta contra assédio sexual e agressão sexual, principalmente no local de trabalho), pode ter contribuído para a valorização e investimento na grande produção de filmes de super-heroínas, como foi o caso de Mulher-Maravilha, em 2017 e Capitã Marvel, em 2019.

Após quase uma década investindo na mesma fórmula de filmes de super-heróis, a Marvel Studios recentemente lançou Capitã Marvel como a grande promessa de super-heroína para o final da sua Fase 3 —  essa mulher sobre-humana seria a esperança de derrotar o inevitável Thanos, interpretado por Josh Brolin, em Vingadores: Ultimato. O filme de origem da personagem teve uma grande aceitação da crítica.

A história bem desenvolvida e a produção de qualidade, características dos filmes de origem da Marvel, encontram um ambiente e personagem capazes de tratar sobre questões pertinentes ao feminismo, mesmo que sem abraçar o movimento. Situações machistas são demonstradas em cenas corriqueiras da personagem  — com as quais qualquer mulher poderia se identificar —, o que garante uma aproximação intensa do público. O tom de humor que filme utiliza nestas situações delicadas é o que o torna leve e admirável: são ideias totalmente ultrapassadas.

Apesar do crescimento do movimento feminista, a referência na área de super-heróis, Isabel Wittmann, ressalta que a misoginia ainda está presente no meio do próprio universo geek, como foi visto após boicote dos fãs ao filme Capitã Marvel.

“Um pequeno grupo de homens nerds se mostra insatisfeito se todos os filmes não forem protagonizados por pessoas como eles. Felizmente, o bom desempenho econômico de Capitã Marvel, assim como de Pantera Negra e Mulher-Maravilha, mostra que, no geral, as pessoas querem ver outras narrativas, com outras pessoas liderando-as.”

Apesar de também criticar a falta de representatividade em outros aspectos identitários, a pesquisadora com interesse no universo geek Adriana Amaral acredita que não houve boicote ao filme Capitã Marvel, mas, sim, mobilizações feitas por um pequeno grupo extremista.

“No caso de Capitã Marvel, cuja bilheteria está aí para provar que essa mobilização de anti-fãs não deu certo, acredito que o filme esteja capturando o zeitgeist (espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos) do momento que precisava de uma figura como Carol Denvers como protagonista.”

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Adriana Amaral também é positiva em relação ao futuro da participação feminina nos filmes do gênero, afirmando acreditar que essa tendência faz parte também dos planos das produtoras:

“Teremos um bom número de heroínas e também de vilãs dos mais diversos tipos e representações assim como temos os personagens masculinos.”

Com estreia marcada para o dia 7 de fevereiro de 2020, Aves de Rapina será o primeiro filme com protagonismo 100% feminino de uma liga da DC. Nesta história, a atriz Margot Robbie reassume seu papel como Arlequina, que teve a primeira aparição em Esquadrão Suicida (2016), após a separação do seu amado Coringa (Jared Leto).

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O longa já tem seu primeiro trailer e conta com uma produção majoritariamente feminina também: a direção é de Cathy Yan e o roteiro fica a cargo de Christina Hodson.

Para o primeiro trimestre de 2020, a Marvel Studios já tem confirmado o filme solo da Viúva Negra, personagem que atua junto aos Vingadores e teve a sua primeira aparição em Homem de Ferro 2, lançado em 2010  —  só aí, levaram 10 anos para que lançassem o solo da personagem interpretada pela atriz Scarlett Johansson, que já apareceu em outros sete filmes do universo.

Outro filme com data de lançamento marcada para 5 de junho de 2020 é Mulher-Maravilha 1984. A nova história da Princesa das Amazonas ainda não teve maiores detalhes revelados, mas é possível imaginar que, através do título, a continuação mostrará Diana nos Estados Unidos de 1984, durante o fim da Guerra Fria.

Além desses, uma continuação de Capitã Marvel também está prevista, mas sem ideia de lançamento. Outras histórias com mulheres protagonistas também são especuladas pelo público, como A-Force, Kamala Khan, Supergirl e Batgirl.

A expectativa é que as questões pertinentes a representatividade  —  não apenas de gênero, mas também de outras características que busquem aproximar as pessoas “reais” dos seus personagens  —  sejam abordadas no universo cinematográfico.

O ambiente mainstream (cultura de massa difundida pelos meios de comunicação de massa) tem poder de atingir e impactar o grande público e, assim, realizar um trabalho crescente de conscientização.

Texto colaborativo com Juliane Kerschner publicado originalmente em Beta Redação.

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