CRÍTICA – A Voz Suprema do Blues (2020, George C. Wolfe)

    A Voz Suprema do Blues é o novo filme da Netflix baseado na peça Ma Rainey’s Black Bottom de August Wilson. O longa tem George C. Wolfe como diretor e no elenco estão Viola Davis, Chadwick Boseman, Colman Domingo, Glynn Turman e Michael Potts.

    SINOPSE 

    A Voz Suprema do Blues Voz acompanha Ma Rainey (Viola Davis) e sua banda em Chicago, 1927. Em uma tarde quente, Ma prepara-se para uma sessão de gravação de álbum. Contudo, os conflitos no local revelam a tensão entre Ma e seu ambicioso trompista Levee (Chadwick Boseman), como também com a gerência branca que está determinada a dominar a incontrolável “Mãe do Blues”.

    ANÁLISE 

    Para entender o processo criativo e político de A Voz Suprema do Blues é preciso falar do dramaturgo August Wilson. O principal trabalho de Wilson inclui uma série de dez peças de teatro, The Pittsburgh Cycle, pelo qual recebeu dois prêmios Pulitzer de Teatro. Cada um é definido em uma década diferente, representando os aspectos cômicos e trágicos da experiência de vida dos negros na América do século XX.

    Nesse sentido, A Voz Suprema do Blues é a única peça que não se passa no Hill District de Pittsburgh, o bairro economicamente deprimido onde Wilson nasceu em 1945 e passou seus primeiros anos. Esse fato é extremamente importante para dar luz às discussões tanto da peça como do filme de George C. Wolfe que se passa nos anos 20 na cidade de Chicago.

    Chicago representava as ideias do Norte, uma região mais industrializada, defensora da liberdade, igualdade e principalmente antiescravagista. Com o fim da guerra civil, ex-escravos do Sul migraram para essa região em busca de empregos, onde fundaram vários bares tradicionais de blues.

    Contudo, a tensão racial era predominante em todos os Estados Unidos e os artistas negros que ganharam estrelado, ainda era segregados e desqualificados. É nesse meio que o filme de Wolfe se encontra, às margens de uma época em que a exploração negra apenas tinha se adequado.

    Logo, George C. Wolfe faz questão de colocar a peça no filme e não ao contrário. Felizmente, o espectador já havia presenciado tal feito em Um Limite Entre Nós (2016) que também é uma adaptação da série de peças de Wilson. Filme produzido, atuado e dirigido por Denzel Washington que rendeu um Oscar a Viola Davis. Só que desta vez, Washington está como produtor de A Voz Suprema do Blues.

    Essa combinação entre o tratamento intenso de Washington e a direção densa de Wolfe cria um filme que denota às frustrações dos artistas negros frente a uma sociedade racista e injusta. A Voz Suprema do Blues consegue um estilo próprio que honra com maestria o material original, usufruindo do pouco cenário para lançar luz a atuações incríveis.

    Ao apresentar uma tarde quente de verão em Chicago, Ma Rainey e sua banda vagam por um estúdio de gravação. Hora discutindo sobre o papel dos negros na sociedade, hora fazendo música, o que cria uma imersão até os minutos finais. Consequentemente, adaptar uma peça para o cinema não é um trabalho fácil, mas Wolfe tem como resultado um tom teatral que cativa com suas cores vivas, intensidade musical e flashes ocasionais.

    Quem é a voz suprema do blues?

    O blues originalmente é uma música sobre o sofrimento do povo negro frente a escravidão. O gênero surgiu no século XIX nas fazendas de algodão, onde durante o percurso, escravos cantavam melodias lentas e chorosas para expressar suas tristezas. Porém, assim como toda cultura afro, o blues foi sendo apropriado pela sociedade branca.

    Sendo assim, a Mãe do Blues não o inventou, mas foi a primeira mulher a fazer sucesso com o estilo musical. Em A Voz Suprema do Blues, Viola Davis interpreta Ma Rainey em todo o seu esplendor. Ainda que, outros artistas e gêneros musicais estivessem surgindo, Ma tinha a música dentro de si.

    Ao longo do filme, Ma tem uma personalidade implacável, faz inúmeras exigências ao seu agente e ao dono da gravadora, nunca satisfeita com o que lhe é oferecido. Essa impetuosidade é uma forma de manter seu valor perante aos que a rodeiam. Como mulher negra, Ma sempre foi subjugada e mesmo com o estrelato, nunca deixou de ser vista sob maus olhos.

    Outro fato, é que Ma é fruto do seu tempo. Ser uma mulher negra (e provavelmente bissexual) com atitude e coragem nos anos 20 deveria ser extremamente cansativo. E ela sabe bem disso, suas atitudes elevam sua figura perspicaz, mas também demonstram sua capacidade de ser protetora e amorosa.

    Por outro lado, temos Levee vivido pelo incrível Chadwick Boseman. O ator que nos deixou em 2020, apresenta seu último trabalho como um legado de sua genialidade, sensibilidade e leveza. Levee não só rouba a cena em A Voz Suprema do Blues, como representa todo tolo jovem sonhador.

    Logo, Ma sente que tem uma ameaça na figura de Levee, mas o embate entre ambos nunca chega as vias de fato. O que não é um problema, dada toda comoção que esses personagens conseguem passar sem ao menos entrarem em grandes discussões. Levee, por si só, carrega todos os seus sonhos, mas também a impaciência da juventude.

    Além disso, os monólogos de Boseman põem em xeque um personagem que com certeza sofreu demais e não aceitará menos do que merece.

    Levee em um estado de fúria atrelado a tristeza, diz:

    “Vocês não sabem nada sobre mim. Nem o sangue que corre nas minhas veias! Como é o coração que bate no meu peito!”

    É essa complexidade de personagem que parece carregar todas as frustrações e sonhos do mundo que fazem de Levee com seu trompete um supremo do blues, tanto quanto Ma. Mas, ambos estão com as garras da indústria fincadas em suas peles. Logo, Ma tem total consciência disso:

    “Eles não se importam comigo. Só querem a minha voz.”

    O trágico é que Levee por ser um sonhador, não enxerga tais prisões.

    Ainda que por suas próprias lutas, eles cheguem onde merecem, no fim do dia não passam de acessórios para uma sociedade eurocêntrica. A obra de August Wilson transmite com singularidade e maestria, as dores e alegrias das vidas negras em uma sociedade que insiste em inviabilizados.

    VEREDITO 

    A Voz Suprema do Blues é um filme essencial para entender a conjuntura dos negros na América nos anos 20. Além disso, vale ressaltar as incríveis atuações de Colman Domingo e Glynn Turman que elevam o filme ao seu máximo. Com isso, ressalto que Chadwick Boseman é gigante e faz a atuação que lhe entregará um Oscar póstumo.

    Nossa nota

    5,0 / 5,0

    Confira o trailer de A Voz Suprema do Blues:

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