A história do filme Duas Rainhas (Mary Queen of Scots) pode passar há mais de 450 anos, mas o seu contexto é tão presente quanto o poder das duas soberanas retratadas – tanto enquanto rainhas, ou enquanto mulheres.
No trabalho de estreia da diretora teatral Josie Rourke nos cinemas, podemos perceber – em todos 125 minutos do longa – uma literal inversão de papéis do estereótipo de gênero.
Escrito por Beau Willimon, Duas Rainhas começa a partir da chegada de Mary (Saoirse Ronan) à Escócia, após a morte do seu marido, o príncipe francês Francis.
De volta ao seu país de origem, Mary tenta de tudo para derrubar a sua prima Elizabeth I (Margot Robbie), a Rainha da Inglaterra, e assumir a coroa de ambos países.
Tanto Saoirse Ronan quanto Margot Robbie entregam-se aos papéis de maneira magistral – a primeira, com a impetuosidade e graça necessária para a jovem personagem fervorosa, e a outra, com a impecável atuação tênue de uma personagem que beira a sobriedade e o desespero ao mesmo tempo.
Também temos como destaque a atuação de Conde de Moray (James McArdle), interpretando o meio irmão de Mary, que consegue demonstrar as forças e fraquezas do seu personagem durante seu tempo de tela.
Os destaques negativos ficam com os talentosos Guy Pearce, em um papel sem sal numa atuação fraca, e David Tennant, em um personagem caricato e que apenas grita em tela.
Duas rainhas. Dois países. Duas condições: católicos ou protestantes; atacar ou defender-se; o palácio outonal inglês ou as frias paredes da masmorra escocesa; permitir-se amar ou viver solitária. A narrativa do filme baseia-se sempre na proximidade antagônica de suas personagens. Tudo o que as aproxima, seja o gênero ou a linhagem sanguínea, também as afasta quando reflete as opções que tomaram no decorrer da trama. Enquanto Mary arriscou tudo o que tinha ao permitir-se apaixonar, Elizabeth manteve-se firme como monarca ao não assumir a mão de nenhum homem.
Neste sentido, talvez resida a melhor qualidade de Duas Rainhas. A inversão dos papéis de gênero é o que mais chama a atenção no filme por se tratar de uma obra baseada em fatos históricos ocorridos no século XVI.
As mulheres são poderosas e governavam duas potências, uma injúria aos homens de Deus e pais de família. Os conselheiros, membros da corte e da igreja, estão sempre em situação de inferioridade – seja pelo plano cinematográfico, seja pelas atitudes sórdidas enquanto seres que plantam a mentira, discórdia e caos em seu país. Para os homens, a única forma de ascensão ao trono é por meio do casamento, ou golpe.
Entretanto, um dos momentos incômodos da trama são ambas as vezes em que Elizabeth diz ter “transformado-se em um homem”, ao explicar a racionalidade das suas atitudes – e também o medo – sendo que, em todo o decorrer da história, o homens eram o próprio motivo de desgraça.
O clímax de Duas Rainhas está na pequena cabana inglesa com várias toalhas estendidas, onde Mary e Elizabeth encontram-se. É uma pena que Margot Robbie não tenha ocupado a tela tanto quanto deveria, pois, aqui, ela demonstra toda a sua entrega à personagem.
O potencial da obra é imenso, mas não foi atingido neste filme. O debute da diretora Josie Rourke ficou um tanto descompensado nos tempos da narrativa, uma vez que a história não possui a fluidez necessária, deixando bons personagens sem tempo de tela e dando relevância a momentos pouco importantes. A cena constrangedora da batalha, mal filmada e coreografada, é certamente o ponto mais fraco do filme.
O longa tem algumas falhas, mas a história é tão forte e dramática que vale a pena ser conferida. Os belos cenários e maquiagem impecável são detalhes técnicos que agradam o espectador.
Duas Rainhas é um filme com potencial desperdiçado. Todavia, extremamente necessário para um assunto que continua sendo tabu em pleno 2019: a representação feminina no poder.
Confira o trailer legendado:
Duas Rainhas foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Figurino e Melhor Maquiagem e Cabelo e chega aos cinemas aqui do Brasil no dia 04 de abril.
Lembre-se de deixar sua avaliação, após assistir ao filme: