É interessante a necessidade dos críticos em encontrar um novo O Exorcista na era do cinema “pós-horror” – alcunha dada como subgênero do terror que causou grande polêmica. Sendo O Exorcista (1973) um filme que marcou a sua geração e um divisor de águas no gênero do horror, é constante a comparação de novas produções com o tão cultuado clássico do cinema.
Hereditário, primeiro longa do roteirista e diretor Ari Aster, não fica atrás: já é considerado por muitos “um novo Exorcista”. Entretanto, será mesmo necessário traçar essa linha de comparação para enaltecer a ótima criação de Aster?
Hereditário conta a história de uma família disfuncional, com problemas tão reais que se tornam palatáveis para o espectador. Há, no aprofundamento dessas adversidades, a possibilidade de entendermos as fraquezas da estrutura familiar e como esses pontos fracos norteiam os acontecimentos até o ápice da produção. Nossa jornada no longa inicia com a morte da matriarca da família, mãe de Annie Graham (Toni Collette), após uma grave doença. Annie é casada com Steve (Gabriel Byrne) e possui dois filhos: Charlie (Milly Shapiro) e Peter (Alex Wolff), sendo Charlie a pessoa que tem maior proximidade a sua avó – tão próxima que foi alimentada no peito pela avó quando era pequena.
Conforme acompanhamos a rotina da família, aprendemos mais sobre seus problemas individuais, fatos que mantém um distanciamento emocional entre todos. Esse distanciamento é fruto dos problemas familiares de Annie: Seu pai morreu de inanição, seu irmão se suicidou e sua mãe era extremamente abusiva e controladora – controle esse que Annie herda em sua totalidade. Essas lacunas em aberto, e outros acontecimentos que descobrimos ao longo da produção, mantém Annie distanciada emocionalmente de seu filho Peter, sendo Charlie o depósito de toda sua preocupação e amor.
A forma como Ari Aster constrói a atmosfera de Hereditário é impressionante. Desde a simbologia até a trilha sonora – concebida magistralmente por Colin Stetson -, o diretor traz uma sensação de sufocamento constante para a produção, tendo seu alívio em momentos pontuais. É como se a audiência pudesse sentir, o tempo todo, o peso carregado pelos personagens, criando uma sensação de medo e urgência. A ideia de utilizar miniaturas para eternizar cada acontecimento da trama é outro ponto alto. Afinal, quer algo mais estranho do que casinhas de boneca com cenas bizarras dentro?
Vale ressaltar o acerto de Aster na escolha do elenco. Toni Collette entrega, como sempre, uma excelente atuação, e será uma surpresa se ela não conseguir nenhuma indicação na temporada de premiações. Sua dedicação para o papel é brilhante e hipnotizadora, principalmente na forma como ela transita do drama para o extremo terror. Provavelmente, Hereditário não seria tão aterrorizante se não tivesse Collette no papel principal. A estreante Milly Shapiro e Alex Wolff também estão impecáveis em seus papéis e conseguem segurar bem a responsabilidade de atuar ao lado de alguém como Collette.
Hereditário é um daqueles filmes que abrem portas para debates infinitos sobre o que o roteiro realmente quer nos mostrar. Ao mesmo tempo que seus acontecimentos podem ser interpretados como realidade, há uma linha aberta para interpretação ampla, deixando a cargo de cada um transformar o que viu em um significado distinto.
Assim como Babadook e A Ghost Story, Hereditário instiga a reflexão sobre nossos próprios problemas e como esses problemas podem se tornar monstros que nos acompanham. A escolha de não tratarmos ou não resolvermos nossos dilemas – ou eternizá-los em pequenas maquetes e guardá-los em casa, por exemplo – auxilia a nos afundarmos mais e mais em nossas frustrações, transformando nosso dia a dia em algo incompleto e, por vezes, penoso.
Está nas escolhas desafiadoras o grande mérito de Hereditário. Que sem dúvidas é uma grande produção que merece ser vista.
Confira o trailer legendado:
Hereditário está em cartaz nos principais cinemas do país. E você, já assistiu? Deixe seu comentário sobre seu ponto de vista do filme de Ari Aster e vamos trocar ideias!
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