TBT #104 | O Estranho Mundo de Jack (1993, Tim Burton)

    Quando mais novo, Tim Burton adorava a época entre o Halloween e o Natal, e como as lojas permaneciam em um estado macabro entre as duas festividades. Mas foi durante uma de suas visitas a um comércio local que permanecia com ambas decorações, que ele teve uma ideia: o que aconteceria se uma celebração invadisse a outra? Com esse pensamento na cabeça, Burton escreveu um conto que, mais tarde, iria se tornar um dos longas animados mais sombrios feito pela Disney.

    SINOPSE

    Jack Skellington, o Rei das Abóboras, se cansa de fazer o Dia das Bruxas todos os anos e deixa os limites da cidade. Por acaso, acaba atravessando o portal do Natal, onde vê a alegria do espírito natalino. Ao retornar para a Cidade do Halloween, sem ter compreendido o que viu, ele começa a convencer os cidadãos a sequestrarem o Papai Noel e fazerem seu próprio Natal. Apesar de sua leal namorada Sally ser contra, o Papai Noel é capturado e os fatos mostrarão que Sally estava certa o tempo todo.

    ANÁLISE

    O filme nos apavora na mesma proporção que nos encanta, construindo um rico universo com visual gótico e sombrio, sem nunca perder o deslumbre magnifico de um sonho (ou pesadelo) infantil. Com uma construção de mundo impecável, a obra é um deleite visual. A riqueza nos detalhes e o contraste proposital nos transportam a magia escondida em cada mundo, nos mergulhando em seus universos enquanto nos apresenta suas singularidades.

    Filmes como Os Fantasmas se Divertem (1988), Batman (1989), Edward Mãos de Tesoura (1990) e Batman: O Retorno (1992), além de fazerem sucesso de público e crítica, ajudaram a estabelecer uma linguagem típica das produções de Burton.

    Cenários fantásticos, personagens marcantes e tristes que buscam formas de saírem dessa situação, ambientação detalhista e gótica, além da brilhante trilha sonora de Danny Elfman.

    Mesmo os filmes que vieram após O Estranho Mundo de Jack sempre mantiveram esses elementos, alguns mais, outros menos. Isso faz com que as produções de Tim Burton tenham uma identidade própria.

     

    Jack, por outro lado, mostra um vazio interior que não consegue saciar. O elegante esqueleto é amado por todos ao seu redor mas se sente incompreendido e frustrado com a corriqueira rotina. A crise existencial traz uma complexidade magnifica ao personagem, conseguimos entende-lo e até mesmo simpatizar com sua dor, criando um laço afetivo poderoso que nos engloba durante o longa.

    Sally, é ingênua e doce, mas uma das mais sensíveis da trama. É ela que reconhece os perigos das ações do amado e como elas podem ser prejudiciais a todo, saindo do seu lugar comum para lutar por aquilo que acredita ser certo. Sentindo-se presa e acuada, a boneca vive isolada dos demais por seu possessivo criador, a ponto de, mesmo quando está entre os demais, se isolar e se retrair para que possa passar despercebida. Sally sempre aprendeu a esconder seus sentimentos mas não deixa de lutar nos momentos certos.

    A composição visual de O Estranho Mundo de Jack é impressionante. Há um encanto peculiar na mistura entre a perspectiva sombria que a cidade do Halloween exala ao mesmo tempo em que é divertido.

    Os personagens assimilam muitos dos piores pesadelos das crianças, como o monstro que se esconde debaixo do armário com o corpo inteiramente composto por insetos.

    Entretanto, acompanhar como esses seres góticos reagem a uma ideia nova sem fazerem ideia do que ela trata, tem um vigor excepcional.

    Mesmo com todo avanço tecnológico, filmar em stop-motion é uma atividade tediosa, uma vez que as figuras são movimentadas quase de forma imperceptível para cada fotografia de filmagem. Como exemplo, temos a expressão dos personagens no momento em que eles estivessem falando. Foram criadas duas maneiras diferentes para que não houvesse falhas no momento em quem fossem inseridas as falas dos personagens:

    • Uma foi construir bonecos com cerca de 25 ou 30 cabeças diferentes, cada uma possuindo um formato na boca semelhante a determinado som;
    • Enquanto outros tipos de bonecos precisavam da habilidade do animador para fazer os movimentos da boca de forma correta.

    De todo o filme, apenas alguns detalhes da produção como sombras e fantasmas foram produzidos através de animação tradicional.

    O jovem Tim Burton e seus personagens-bonecos.

    Como curiosidade, a animação foi produzida pela Touchstone Pictures e pela Walt Disney Pictures, que não colocou seu selo na produção por afirmar ser ”muito sombrio para as crianças” na época.

    A marca Disney só veio à tona em 2006, quando o longa foi relançado em 3D para os cinemas. Trata-se de uma animação que marcou várias gerações, um filme leve, simples e com uma duração mínima de 76 minutos que permite que o longa não se torne enjoativo.

    Tecnicamente maravilhoso e com uma historinha encantadora, O Estranho Mundo de Jack é uma ótima pedida para assistir com toda a família na noite de Halloween (ou do Natal).

    Diferente de outros anti-heróis natalinos, Jack não quer destruir o Natal. Seu interesse na festividade se concentra nas diferenças que esta possui de sua realidade. Tais discrepâncias são tão evidentes que até mesmo o corpo do Papai Noel lhe é uma representação estranha.

    É ao observar o espaço que habita e o que há para além dele que Jack contempla o quanto as possibilidades que o circundam são responsáveis por sua insatisfação. O que torna cada novo espaço descoberto místico e encantador. Porém isto não o exime de errar e descobrir no processo do equívoco o sentido de ser quem realmente é: o rei do Halloween.

     

    Mas o que mais emociona no longa é a paixão platônica de Sally (voz de Catherine O’Hara), uma espécie de monstro de Frankenstein que é tratada como uma filha pelo cientista maluco Dr. Finklestein (voz de William Hickey), por Jack. As canções mais sensíveis saem por conta de Sally, mas as melhores estão por conta do Bicho Papão (voz de Ken Page), inclusive o melhor número musical também, com um cenário cheio de cores fluorescentes. Aliás, toda a direção de arte do longa é fantástica.

    São essas buscas e desencontros que tornam O Estranho Mundo de Jack um filme atemporal. Jack quer se encontrar, preencher os espaços entre seus ossos e oferecer significado as suas atividades.

    As indagações dele possuem um magnetismo que nos engole e deixa um rastro de paixão e susto pelas músicas, o ambiente e as temáticas. Um mundo invertido que vale a pena entrar e embarcar nas reflexões. Uma obra importante e inesquecível.

    VEREDITO

    O Estranho Mundo de Jack é um auto de Natal como nunca antes visto cuja premissa funde dois cosmos bastante conhecidos pelas pessoas em uma jornada heroica de autoconhecimento e sacrifício que, ainda que não faça parte de sua própria filmografia, é uma das melhores obras de Tim Burton

    Nossa nota

    5,0 / 5,0

    Assista ao trailer original (sem legenda):

    https://www.youtube.com/watch?v=nXv-S3dV_Jk

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