O TBT dessa semana traz um clássico do cinema japonês e um dos primeiros filmes do Japão a chegar em Hollywood. Rashomon, de Akira Kurasawa, recebeu o Leão de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Veneza em 1951. Além disso, foi indicado ao Oscar de Melhor Direção de Arte e ao BAFTA.
Com roteiro de Shinobu Hashimoto e do próprio diretor, o longa é baseado em dois contos do escritor Ryūnosuke Akutagawa (“Rashomon” e “Yabu no Naka“).
No elenco estão Toshirō Mifune, Machiko Kyō, Masayuki Mori, Takashi Shimura, Minoru Chiaki e Kichijiro Ueda.
SINOPSE DE RASHOMON
Durante uma forte tempestade, um lenhador (Takashi Shimura), um sacerdote (Minoru Chiaki) e um camponês (Kichijiro Ueda) procuram refúgio nas ruínas de pedra do Portão de Rashomon. O sacerdote diz os detalhes de um julgamento com quatro testemunhos distintos.
ANÁLISE
Quando um acontecimento desencadeia diferentes versões por suas testemunhas, sabe-se que alguém está mentindo. Em Rashomon, a verdade parece cada vez mais distante, e a falta de uma consenso entre os personagens leva a uma série de questionamentos sobre a honestidade da humanidade.
Dessa forma, o filme do aclamado diretor Akira Kurasawa conduz o espectador a quatro testemunhos distintos do mesmo crime. Um lenhador (Takashi Shimura), um sacerdote (Minoru Chiaki) e um camponês (Kichijiro Ueda) se encontram nas ruínas de um templo chamado Rashomon, lá eles esperam a chuva passar enquanto o lenhador e o sacerdote contam sobre um julgamento que testemunharam.
O bandido Tajomaru (Toshirô Mifune) é julgado pelo assassinato do samurai Takehiro (Masayuki Mori) após estuprar a esposa Masako (Machiko Kyô). No entanto, os flashbacks revelam quatros histórias distintas contadas por pessoas diferentes: o bandido, a esposa, o lenhador que presenciou o fato e, até mesmo, o samurai morto.
Trata-se de um filme de personagens não confiáveis, no qual o bandido diz ter matado o samurai, depois a esposa se acusa e o samurai (por meio de uma médium) relata ter cometido suicídio. Cada um traz a culpa para si, o que dificulta ainda mais o discernimento do espectador sobre a verdade dos fatos. Ao mesmo tempo, tanto o lenhador, o sacerdote e o camponês estão em um debate sobre a bondade da humanidade.
Ao passo que o lenhador e o sacerdote parecem desolados com os acontecimentos do crime e se questionam se vale a pena confiar nos homens, o camponês vê na história a desordem do mundo e admite ser egoísta.
O filme trabalha sobre um conceito niilista, no qual os fatos não existem e as interpretações são o que restam. A quarta versão da história, por exemplo, parte do próprio lenhador que diz ter testemunhado o crime. Mesmo assim, Kurasawa não torna essa a verdade acima dos fatos e a sujeita à dúvida.
Visto que a realidade não é absoluta, o filme evoca uma espécie de melancolia e pessimismo nos três personagens que estão contando e ouvindo a história. Quase no final do longa, está certo que a humanidade não tem salvação perante suas próprias mentiras, mas o surgimento de um bebê abandonado leva esperança para o sacerdote e o lenhador.
Dessa maneira, Kurasawa relativiza a condição do ser humano, deixando evidente que, por mais que haja mentiras e egoísmo no mundo, também há generosidade.
Possíveis interpretações
É impossível não comparar o conceito de diferentes perspectivas de Rashomon com a atual pós-verdade, ou melhor – fake news – que tomaram conta do mundo contemporâneo. Em uma época em que se questionam fatos e cada pessoa parece apresentar sua própria versão, Rashomon ecoa seus significados.
Se a verdade não existe, a humanidade está fadada à desgraça? Ou será que não precisamos saber sempre a verdade? São questionamentos que surgem do filme e tornam o espectador também um responsável pelo bebê ao final, visto que a direção genuína de Kurasawa aproxima cada vez mais a criança da tela, parecendo que irá entregá-la ao espectador.
Outros feitos cinematográficos do diretor estão na composição das cenas e no enquadramento. Na maioria das vezes Kurasawa utiliza uma câmera estática para filmar em profundidade de campo colocando os personagens ou perto ou longe do quadro. Dessa forma, dá a sensação de afastamento entre os personagens, tal como cada um com sua versão da história.
Da mesma maneira, o diretor evoca simbolismos ao utilizar pouca luz nos flashbacks, é como se a restrição do sol naquele ambiente de floresta evidenciasse a falta da verdade do samurai, da esposa e do bandido. No templo, a chuva aproxima aqueles personagens e suas discussões, e quando o tempo se abre, também é uma nova chance para o lenhador e o sacerdote.
VEREDITO
Rashomon se revela uma obra-prima do cinema, com interpretações até mesmo no pós-guerra com a derrota do Japão. Sendo um filme essencial para qualquer cinéfilo, pois além de uma história instigante, possui diversos conceitos cinematográficos que destacam o grande diretor que é Akira Kurasawa.
5,0 / 5,0
Assista ao trailer de Rashomon:
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