TBT #90 | Barry Lyndon (1975, Stanley Kubrick)

    Quando ouvimos falar de Stanley Kubrick, é pouco provável não fazer as associações mais óbvias como: Laranja Mecânica, O Iluminado 2001: Uma Odisseia no Espaço. Afinal, é impossível não reconhecer o legado de seus filmes mais emblemáticos, que mudaram o cinema para sempre. Porém, olhar para filmes menos falados do diretor é perceber que seu talento e a maestria é muito mais forte do que o imaginado. Assim, percebemos que Kubrick verdadeiramente se aproxima de ter uma filmografia praticamente impecável.

    Barry Lyndon é mais um desses tesouros ofuscados e subestimados, o qual, olhando de perto, facilmente percebe-se porquê é tão especial. Na obra geral de Stanley Kubrick é recorrente o exame do homem e de sua condição como espécie, tanto em sua respectiva época quanto através dos tempos.

    Muito já se disse sobre isso, e sobre suas reflexões eventualmente distantes e contemplativas: durante sua carreira o diretor recebeu críticas pela sua “frieza calculista sem emoção” em alguns momentos.

    São traços de um perfeccionismo doentio, no qual há uma atenção criteriosa a cada detalhe, de cada plano, de cada elemento inserido ou não em uma imagem isolada.

    A trama é baseada no livro de William Makepeace Thackeray, que romantiza de forma irônica a história real de um irlandês oportunista. No filme, ele assume a forma de Redmond Barry (Ryan O’Neal), um jovem pobre que deixa sua terra natal da Irlanda para atingir sua meta de pertencer à alta sociedade inglesa em meio à Guerra dos Sete Anos.

    Com um talento para convencer todo o tipo de indivíduo com suas histórias mentirosas e se livrar de situações arriscadas com muita peripécia, acompanhamos diversas das aventuras de Barry até sua inevitável e trágica queda.

    O que parece inegável é a sensação bastante distinta promovida pelo longa. E tudo se trata dos detalhes: da fotografia sem a utilização de luzes artificiais, e nos interiores, em cenas noturnas, ressaltando a utilização da luz de velas – em sequências que só poderiam ser capturadas através de lentes especiais.

    Temos figurinos diversos com cores vibrantes, texturas variadas e minuciosos toques, dos objetos de cena, assim como da trilha sonora impecável com peças musicais clássicas de Schubert, Handel, Mozart, Bach, Vivaldi, etc. Além de locações deslumbrantes; tudo aqui converge para um ponto percepcional absolutamente único.

    Com uma trama intrigante, Redmond Barry privado de seu amor adolescente, sua prima Nora Brady (Gay Hamilton), tem que fugir para longe de sua vila natal e os eventos acabam fazendo com que ele se aliste no exército britânico.

    Todo o primeiro ato leva a exata metade da duração da película, vemos a transformação de Redmond Barry, o plebeu, em Barry Lyndon, o nobre (ou o quase-nobre, tecnicamente). Quando chega o intervalo, ele está em seu auge. O segundo ato, claro, é sua vertiginosa queda, basicamente causada por sua arrogância, violência e ganância.

    Falando de Kubrick e sua habitual exploração da condição humana, aqui ele expõe isso na construção de um mundo de aparências a partir de relações superficiais e frias, onde se é formado um jogo de poder que beira a insanidade.

    Veja bem, acompanhamos a história de um sujeito que é capaz de qualquer coisa por uma ascensão à aristocracia: estilo de vida que, por sua vez, apresenta toda aquela pompa e charme, mas que, no fundo, desnudo, é sobre a mais pura disputa.

    Por baixo do véu moral e ético daquela sociedade ainda está o sentimento bruto de conflito, e todas as reverências, regras de etiqueta e costumes chiques não são mais que máscaras sinistras que encobrem as verdadeiras intenções primitivas da espécie humana.

    Voltando a falar da cinematografia vencedora de 4 Oscars, este talvez seja o aspecto mais impressionante. Trata-se de um dos filmes mais deslumbrantes já filmados: as paisagens e os interiores são capturados com uma profundidade incrível, é quase possível sentir o cheiro daqueles lugares.

    Muitos enquadramentos evocam propositalmente pinturas e quadros. Algo que Stanley Kubrick gostava de fazer constantemente, é iniciar uma cena com um plano fechado em algum objeto ou pessoa, e aos poucos, em um zoom out gradativo, o plano se abre, revelando o ambiente como um todo.

    A ilusão de que você está em outra época, se deparando com outros costumes, é feita com tanta perfeição que chega a transcender o próprio ato de assistir a um simples filme.

    O filme também é sobre a perda de uma certa essência do protagonista, ou talvez da descoberta de uma essência que sempre esteve à espera de um despertar: não se enganem, ele nunca foi flor que se cheire, mas acompanhamos gradativamente este se tornar cada vez mais indiferente aos outros na medida que se torna rico e passa a fazer “parte do clube”.

    Mas os seres humanos são contraditórios, e em contrapartida ninguém pode dizer que aquele sujeito não ama seu pequeno filho. É inegável que um pingo de pureza ainda existe naquela alma.

    Este exame é interessantíssimo: sentimos por Barry em diversos momentos, e em outros somos obrigados a reconhecer o sujeito desprezível que ele é. O conflito que obtemos em relação a ele torna tudo ainda mais real e intrigante.

    No fim, Barry Lyndon é um espetáculo visual que parece pouca coisa para os desavisados no que diz respeito à sua profundidade temática, mas que é um dos melhores estudos de personagem da carreira de Kubrick.

    Há aqui belas performances, bela cinematografia, e uma jornada única. Além de uma reflexão praticamente shakesperiana sobre o quão inútil é o que fazemos ou deixamos de fazer (em um contexto amplo, claro), quando no final tudo isso deixará de existir e será esquecido eventualmente por trás da cortina do tempo, que segue cruel e imperdoável.

    É mais um exemplo da atenção de Stanley Kubrick a todos os aspectos da produção cinematográfica, e sim, mais uma obra-prima de um gênio.

    Nossa nota

    Confira ao trailer do longa:

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