CRÍTICA: ‘Vale o Escrito – A Guerra do Jogo do Bicho’ do carnaval aos assassinatos

    Sempre adorei documentários desde os maravilhosos filmes dirigidos por Eduardo Coutinho, documentários históricos narrados por Terry Jones na BBC de Londres até aqueles estranhos perdidos pelos servidores do Youtube. O ato de narrar as histórias da vida pelas lentes da sétima arte sempre me fascinou desde criança, alguns deles com tramas que deixariam os melhores roteiristas de cabelo em pé e com o Vale o Escrito – A guerra do Jogo do Bicho não seria diferente, aliás essa trama deixaria Mario Puzo (autor de O Poderoso Chefão) e Dashiell Hammett (autor de Falcão Maltese) de cabelo em pé.

    Vale o Escrito – A Guerra do Jogo do Bicho, dirigido por Ricardo Calil e lançado em 2023, lançado pela GloboPlay narra os acontecimentos das gerações que comandam o jogo na cidade do Rio de Janeiro, amores, violência, política e carnaval, é disso que se trata essa série documental.

    SINOPSE

    Dividida em sete capítulos com 1h de duração cada, a criação do jornalista Fellipe Awi explora os detalhes nunca antes revelados sobre esquemas fraudulentos, expansão de grupos criminosos e a vida íntima de chefões da contravenção penal e seus descendentes.

    ANÁLISE

    Vale o Escrito

    Não é de hoje que ouvimos falar do jogo do bicho, sempre existe um tiozinho em um bar, esquina, porta de lotérica, ou em algum local comum anotando as apostas de pessoas comuns, de simples trabalhadores tentando a sorte pra ver se conseguiria uma graninha para dar um alento nas contas do mês, mas poucos se perguntam como isso funciona, para onde as quantias das apostas vão, principalmente para alguém como eu longe da cidade cartão-postal do país.

    Na obra começamos a acompanhar seus grandes e caricatos chefes do século passado, os capo di tutti capi, da guerra dos pontos até a divisão dos territórios onde a cidade ficou totalmente loteada. De Capitão Guimarães que estava no exército brasileiro na época da ditadura, Piruinha o senhor que aparenta ser um senhor simples com sua bermuda e chinelo e que domina o jogo em sua região com mais de 90 anos, Miro Garcia com seu terno branco e vermelho e o Doutor Castor, uma figura emblemática em sua época, e muitos outros chefes que lideraram seus territórios.

    Homens que mandavam no mundo da contravenção, com laços com a polícia, políticos, tvs e o samba, onde chegaram a ser presidentes de honra e desfilavam altivamente na Sapucaí.

    Legitimando seu poder eles vão para a mídia e o carnaval, interessante pensar nos aspectos sociais, onde homens brancos controlavam uma das maiores festas da terra e escolas de samba com laços afro-brasileiros, agindo da forma de uma espécie de mecenato investindo em suas escolas e buscando a cada ano o prêmio carnavalesco, e se utilizando disso para fazer uma limpeza de imagem. Com a cúpula criada pelo Capitão Guimarães a guerra foi cessada e os anos de paz foram estabelecidos, mas será que isso continuará nas próximas gerações?

    Vale o Escrito

    Nos anos 90 foi alçado ao poder Maninho Garcia, filho mais novo de Miro, e que uma vez foi nomeado o Rei do Rio, onde no documentário o carnavalesco Milton Cunha disse “ Maninho era poderoso, e perigosíssimo”. Na obra a família Garcia toma protagonismo demonstrando seu pungência financeira e o domínio por diversos territórios, dando um ar para Maninho algo como Tony Soprano, um personagem que liga as multitramas dentro desse universo, desde os problemas familiares com suas filhas gêmeas até sua morte, onde se instaura uma nova briga de território.

    Outro núcleo bem demonstrado é do Doutor Castor de Andrade, onde depois de seu falecimento, uma briga interna devastou sua “casa”, onde existem acusações de assassinto, explosões e queima de arquivo, e hoje quem comanda os negócios é seu sobrinho Rogério de Andrade. Com a chegada do começo dos anos 2000 brigas por território, mortes e caça-níqueis marcaram presença na dramaticidade dos acontecimentos. Onde as filhas de Maninho, Shanna e Tamara protagonizaram pessoalmente e por meio de seus dois ex-maridos uma guerra dentro de sua própria família.

    Queimas de arquivo, pistolagem, morte a rodo marcam essa película, fazendo com que cada episódio que se passa deixam os casos mais entremeados e mirabolantes. As outras famílias também são abordadas com destaque especial para o Capitão Guimarães que guia de forma até mesmo perspicaz suas falas, citando de Bob Marley a Shakespeare, e falando sobre o futuro do Jogo do Bicho.

    VEREDITO

    Vale o Escrito conta de forma tradicional sua história, utilizando imagens de arquivo pessoal e da rede globo para compor sua quadricromia, e voice-off para contar os acontecimentos narrados, e mesmo de forma tradicional consegue fazer de forma extremamente efetiva. É importante ressaltar o extenso trabalho da equipe de produção, conseguindo falas e entrevistas para compor a miscelânea que costura o pano de fundo do documentário. O grande destaque vai mesmo para realidade dos acontecimentos, talvez com a mesma estrutura e uma história fraca seria um seriado comum.

    O grande destaque vai para os entrevistados, dando um toque de humanidade para a vida e os ocorridos acontecidos desse mundo tão violento. Ressalto as falas do carnavalesco Milton Cunha que dá uma tonalidade de bom humor para coisas tão pesadas, Shanna Garcia que expõe seus ponto de vista sobre os problemas que o jogo do bicho lhe trouxe, Piruinha com um ar de velinho simpático, mas que carrega mais de 50 décadas de contravenção e Bernardo Bello, ex-marido de Tamara Garcia que deu depoimentos fortes e de certa forma ensaboados.

    Vale o Escrito é uma ótima pedida para quem busca boas e surpreendentes obras, mostrando que a vida real é mais confusa e pesada que qualquer ficção, do submundo da contravenção carioca até os holofotes da Sapucaí, das alta classe até os assassinatos. Isso que eu falei foi apenas um esboço do que é mostrado, deem uma olhada.

    Nossa nota

    5,0 / 5,0

    Confira o trailer da série:

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