Noites Sombrias #5 | A Caçada: Um retrato da sociedade branca norte-americana

    O Noite Sombrias dessa semana é sobre um dos filmes mais polêmicos dos últimos anos no que diz respeito à conjuntura política estadunidense. A Caçada (The Hunt), dirigido por Craig Zobel e, roteirizado por Damon Lindelof e Nick Cuse, põe a sociedade branca norte-americana sob a perspectiva do terror social. 

    Para compreender as polêmicas que rondam essa produção é preciso entender sobre o que o filme trata. Aqui, um grupo de americanos tradicionalistas e adeptos do Partido Republicano acordam no meio de uma floresta, amordaçados. Logo, eles descobrem que são a caça de um jogo hostil, onde a elite liberal e democrata são os caçadores.

    O filme estreou em março de 2020 com um forte boicote pelo próprio ex-presidente Donald Trump que acusou A Caçada de “colocar lenha na fogueira e provocar o caos“. Somado a isso estão os massacres ocorridos em Ohio e no Texas em agosto de 2019, que criaram um clima sombrio para o lançamento de um filme com várias mortes com armas de fogo. Em resposta, a Universal Pictures suspendeu a campanha promocional do filme. 

    Em entrevista ao The Entertainment, o roteirista Damon Lindelof disse que o tuíte de Trump tornou o filme radioativo e explicou como a ideia para a história surgiu de uma conversa entre amigos sobre teorias da conspiração. Mais especificamente, sobre a popularização da teoria Pizzagate que foi difundida em meio às eleições estadunidenses de 2016. 

    O grupo propôs o desafio de criar uma teoria tão absurda que ninguém pudesse acreditar, mas que se tornaria real. Dessa forma, A Caçada é a prova do quão ridículo teorias da conspiração podem ser. Logo, o que colide diretamente com a proposta apresentada no longa são as contemporâneas sátiras sociais que filmes de terror estão criando. 

    Obviamente, essa nova onda é fruto de uma leitura artística sobre as questões políticas, históricas e sociais que estamos vivendo. Dessa forma, seguindo seus sucessores, como Corra! (2017) e Bacurau (2019), ambos extremamente perspicazes ao tratar do algoz que a sociedade se tornou, A Caçada faz um discurso polarizado que expõe lados extremistas. 

    Liberais vs Deploráveis

    De ficção, o longa só tem o jogo de caça e caçador (por enquanto). Mas, é real quando satiriza uma elite americana que se enxerga politizada e educada, indo contra o discurso antidemocrático de Donald Trump enquanto aproveita comidas chiques e champanhes caros. Para esses, o filme dá o nome de “liberais”. 

    Enquanto, na outra ponta estão os americanos classe média e tradicionais chamados de “deploráveis”. Esses são conspiracionistas, racistas, misóginos, homofóbicos e apresentam um discurso de ódio. Porém, são a caça da vez. 

    Logo, percebe-se a inversão de perspectivas propostas por Lindelof e o diretor Craig Zobel. Se nas eleições de 2016, tivemos o infame Pizzagate que não passava de um delírio coletivo, em A Caçada os liberais criam o Manorgate, a teoria conspiracionista sobre uma caça aos americanos republicanos que se torna real. Dessa forma, o filme retrata a rachadura que começa a se formar na supremacia branca norte-americana.

    E não somente pelo falso bipartidarismo americano, a sociedade branca estadunidense sente cada vez mais a culpa recair sobre seus terríveis atos que geraram genocídios ao longe de épocas. Dessa forma, existe uma espécie de crise de identidade acontecendo no país livre. Se eles não são os “mocinhos”, então quem são?

    Em A Caçada, os liberais não passam de hipócritas que não se preocupam realmente com pautas sociais e políticas do mundo. Eles buscam uma falsa sensação de “politicamente correto”.  Logo, é notável que o longa se esforça para fazer uma crítica a apropriação e distorção que as elites fazem sobre questões sociais.

    Contudo, o risco do discurso apresentado no longa ser interpretado como uma espécie de “deboche” sob as minorias, debates democráticos e progressistas é forte. Primeiro, por excluir personagens não brancos tanto do grupo caçador, como do grupo caçado sob a retórica de “racismo”. Segundo por não sustentar os personagens do grupo chamado de “deploráveis” como a outra metade da supremacia branca. 

    A protagonista

    A medida que os filmes de terror social servem para falar da ansiedade interna e externa que o século XXI provoca. A Caçada se assemelha muito mais a uma frase de efeito que tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda podem usar a seu bel prazer. Outro ponto, qualquer um que não seja norte-americano e branco, é capaz de assistir ao filme e sentir um sentimento de “mais do mesmo”.

    Porque, em certos aspectos, esse grupo não norte-americano e não branco já está acostumado com os discursos hipócritas e com os xingamentos preconceituosos. Logo, o que mais assusta no filme não são os grupos extremistas, mas a própria protagonista.

    Crystal interpretada por Betty Gilpin cai por engano naquela situação maluca e graças aos seus conhecimentos bélicos adquiridos no Afeganistão consegue sair viva dentre os dois lados.

    Dessa forma, Crystal não tem um “lado” e para sobreviver provoca uma verdadeira chacina. Logo, ela representa o discurso “isento” que mina as discussões políticas sob uma falsa visão de imparcialidade que visa garantir uma falsa sensação de segurança.

    Em A Divina Comédia, Dante Alighieri disse:

    “Os lugares mais sombrios do Inferno são reservados aqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral.”

    Logo, quantas pessoas vivem sobre a falsa pretensão de não falar de politica e se autodeclaram “neutra”, mas nas urnas votam a favor dos seus próprios e já estabelecidos privilégios?

    Verdade seja dita: é melhor lutar com um inimigo conhecido que expõe seus pensamentos, do que com um inimigo calado que se diz em “cima do muro”.

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    Assista nossa crítica em vídeo de A Caçada:

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