Swallow: Uma releitura do horror nos relacionamentos abusivos

    É impossível separar Swallow (2020) de dois acontecimentos: o primeiro é o movimento #MeToo que se propagou na comunidade hollywoodiana após a condenação do ex-produtor de filmes, Harvey Weinstein, por abuso sexual. A segunda é o lançamento de O Homem Invisível (2020) poucos meses antes de Swallow nos Estados Unidos.

    Esses dois fatores contribuem para a narrativa tanto dentro como fora de tela que o diretor Carlo Mirabella-Davis pretende. Assim como em O Homem Invisível, Swallow é um filme sobre uma mulher vivendo um relacionamento abusivo. Os dois longas apostam no terror social e juntos criam um movimento de filmes de horror com mulheres pós Me Too.

    Não à toa, ambos os filmes são dirigidos por homens, sendo provavelmente um recado de mudança para Hollywood. Porém, se em O Homem Invisível, o diretor Leigh Whannell apresenta uma abordagem mais violenta com ares de final girl. Em Swallow, Mirabella-Davis é mais silencioso, mas extremamente inquietante e agoniante.

    A começar por sua personagem principal. Hunter (Haley Bennett) é uma jovem dona de casa que após se casar com o jovem e rico Richie (Austin Stowell) descobre que está grávida. Nos primeiros minutos do filme, tudo parece perfeito se não fosse o comportamento submisso de Hunter perante o marido e os sogros.

    Nesse sentido, a atuação de Haley Bennett impressiona com a pura docilidade e obediência da personagem. Hunter parece sair de um passado totalmente patriarcal e isso é o que torna a personagem tão intragável. Ela nunca questiona o marido, deixa ser interrompida pelo sogro e acata as interferências da sogra em sua aparência.

    Ao contrário de Cecilia (Elisabeth Moss) em O Homem Invisível que é muito mais compenetrada em sair do seu relacionamento tóxico, Hunter se ilude em boa parte do filme de que é feliz. O fato de Hunter não ter o contato com sua família ou amigos a faz refém daquela situação. Logo, em sua cabeça, se submeter aos outros resultaria no amor que ela almeja.

    Desejo e controle 

    Carlo Mirabella-Davis é perspicaz ao atrelar os sentimentos de desejo e controle em seu filme. Ao ficar grávida, Hunter sente que mais uma vez perdeu um certo controle de sua vida que só caberia a ela. Logo, seu desejo por obter de volta seu próprio domínio se transforma em uma obsessão.

    Hunter começa a sofrer de um transtorno chamado alotriofagia que é o desejo de mastigar ou engolir objetos que não são comestíveis. A doença não é citada no filme, mas é algo ligada a gravidez e problemas familiares. Sendo assim, Hunter começa engolindo uma bola de gude, mas logo passa a objetos maiores e também afiados.

    Consequentemente, Swallow não explicita as pretensões de Hunter. Ao engolir objetos, ela tem o total controle de sua vida e também de sua gravidez. Sendo talvez o único momento em que ela não se sente um brinquedo de seu marido. Logo, Richie se apresenta como o homem perfeito, mas ao menor problema não hesita em humilhar e maltratar Hunter.

    Deste modo, o relacionamento tóxico entre Hunter e Richie configura como uma relação de desejo e controle. O distanciamento dos dois é tão grande que custa ao espectador acreditar que existe amor na relação. Logo, os dois são autoconscientes do seu próprio fingimento e do parceiro também.

    Sendo assim, o filme se arrasta alguns minutos a mais para que Richie e os pais descubram a doença de Hunter. Contudo, o final com um plot apresenta um resquício de esperança para Hunter. No mais, Mirabella-Davis constrói uma personagem inspirada em tantas outras mulheres que vivem caladas perante abusos. É extremamente difícil de aceitar, mas Hunter é real.

    Nossa nota

    3,5 / 5,0

    Swallow está disponível no streaming Mubi. O Mubi é um serviço de streaming que reúne em seu catálogo apenas produções clássicas, premiadas e consideradas “cult“.

    Confira o trailer de Swallow:

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