CRÍTICA – Coringa (2019, Todd Phillips)

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Opinião | Coringa, a mídia e o Oscar 2020

Um filme baseado em um personagem de quadrinhos que não parece, nem um pouco, com um filme de herói. O personagem icônico, considerado um dos maiores vilões da cultura pop, retratado de uma maneira – até então – inimaginável. Seja bem-vindo à distopia cinematográfica que é Coringa, o longa de Todd Phillips protagonizado por Joaquin Phoenix.

Quando as primeiras notícias sobre Coringa começaram a circular na internet, poucas pessoas acreditavam que o projeto poderia dar certo. As desconfianças se tornaram maiores quando o passado cinematográfico do diretor Todd Phillips foi associado ao longa: Phillips só tem comédias em seu currículo, dentre elas o famoso Se Beber, Não Case!, de 2009. O cenário também não era dos mais otimistas, pois muitos consideram que a DC vinha de inúmeros “fracassos” no cinema e parecia não encontrar o caminho certo para seguir.

Felizmente para os otimistas, Coringa chega aos cinemas com um Leão de Ouro na bagagem e muitas críticas positivas a seu favor. As polêmicas, é claro, não poderiam ficar de fora, mas o que esperar do filme solo de um agente do caos? Coringa sempre foi um personagem idolatrado por sua legião de fãs – mesmo sabendo que suas atitudes são sórdidas e cruéis. Ele é o antagonista do Batman, a antítese de sua existência e, muitas vezes, a motivação para apreciarmos inúmeras obras do Homem-Morcego ano após ano.

O filme de Todd Phillips retrata a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um aspirante a comediante que mora com sua mãe, Penny Fleck (Frances Conroy). Ele cuida de Penny e de sua saúde, sendo o “homem da casa” desde sempre. O personagem trabalha em uma agência de palhaços chamada Ha-Ha’s e convive com outros vários trabalhadores que o acham estranho devido à sua risada – um distúrbio psicológico devidamente sinalizado em um cartãozinho plastificado que ele carrega para todos os lugares.

Arthur consulta periodicamente com sua psiquiatra e usa seu diário para anotar pensamentos e piadas para seu vindouro número de stand up comedy. Seu sonho é ter um espaço no talk show estrelado por Murray Franklin (Roberto De Niro), homem pelo qual ele nutre um sentimento de admiração – e amor paternal. Toda a construção do personagem se dá na incansável busca pela felicidade, dia após dia, mas “só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático”, certo?



É com a constância de acontecimentos ruins e reviravoltas em sua vida que Arthur Fleck passa de uma pessoa trabalhadora e empenhada a um ser extremamente perigoso. Pelo menos, essa é a justificativa que ele utiliza para deixar aflorar o seu lado sombrio e doentio que sempre o acompanhou. O Coringa de Phillips não é estrategista – e isso é fato. Ele não busca ser um ícone ou a representação de um movimento. O Coringa aqui é um humano complexo, com sérios distúrbios e que não possui uma base sólida para mantê-lo estável.

A forma como o roteiro de Phillips e Scott Silver (O Vencedor) constrói o personagem de Arthur até ele, de fato, se tornar o Coringa, é impressionante. Toda a produção bebe muito de filmes criados nos 1970 e 1980, que exploravam cada lacuna da personalidade dos protagonistas, criando nuances entre o bem e o mal. É difícil, por vezes, não sentir pena de Arthur Fleck, assim como é difícil não sentirmos pena de Rupert Pupkin (O Rei da Comédia), Travis Bickle (Taxi Driver), R.P. McMurphy (Um Estranho no Ninho) e tantos outros personagens complexos – e perturbadores – criados nessa era do cinema. Entretanto, fica mais do que claro ao longo dos 122 min do filme que Arthur não é alguém para se glorificar ou ter apreço. Todd Phillips faz questão de reforçar esse entendimento diversas vezes durante o longa.

Falar que Joaquin Phoenix é um dos melhores atores da atualidade é, basicamente, confirmar que a água é molhada. Em uma de suas atuações mais impressionantes desde O Mestre (2012), Phoenix domina o tempo de tela, carregando todos os acontecimentos basicamente sozinho. Mesmo que, por vezes, esteja acompanhado de seus colegas de elenco, são nos closes fechados em sua atuação que se encontram os momentos mais esplêndidos do longa. Uma atuação memorável e digna de indicações. 

A linguagem corporal de Phoenix é outro ponto a ser destacado, visto que inúmeras cenas são montadas basicamente com seus movimentos, jogo de luz e trilha sonora intensa e poderosa. Uma cena a se destacar é a dança de Coringa na escada ao som de Rock and Roll Part 2 de Gary Glitter, pontuando um momento de revolução. É quase como um instante de luz em meio à toda escuridão de Gotham.

Aos fãs do cinema de Scorsese, Coringa entrega inúmeras referências de Taxi Driver, O Rei da Comédia e tantos outros filmes do diretor. A escolha de Robert De Niro no papel de Murray traz o toque de nostalgia – e a cara de anos 1980 – transformando o longa em uma grande homenagem ao cinema antigo.

Em meio ao caos que só o Príncipe do Crime pode trazer, há espaço para sonhar com um pouco de Batman nesse novo universo da DC. Aos mais desacreditados, a insegurança com a nova safra de filmes da Warner – após o sucesso de Shazam! e, agora, Coringa – talvez possa, finalmente, ficar no passado.



A ironia na finalização de Coringa é perturbadora e um pouco angustiante, deixando uma sensação de insanidade e admiração pelo que acaba de ser visto. É quase como o final de Um Estranho no Ninho, quando você simplesmente não acredita em tudo o que acabou de acontecer. Sem necessidade de ganchos ou continuações, Coringa se consagra como um divisor de águas em seu gênero, podendo inspirar novos projetos tão ambiciosos quanto.

Nossa nota


Assista ao trailer legendado:

Coringa chega aos cinemas nesta quinta-feira, 3 de Outubro. Lembre-se de voltar aqui, deixar seus comentários e sua avaliação!

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