OPINIÃO – Masculinidade no divã na Cultura Pop

    Masculinidade, uma palavra que parece comum, mas que remete a diversas questões importantes do dia a dia de todas as pessoas.

    Um conceito que é quase um estilo de vida em uma sociedade patriarcal e que pauta uma série de discussões que adentraram muito a cultura pop no ano de 2022.

    Várias produções, sejam filmes ou séries, trataram do tema, ora criticando, ora mostrando que nós homens somos apenas humanos, falhos e cheios de problemas e dilemas.

    O texto a seguir fala sobre a segunda temporada de The White Lotus, do terceiro ano de The Boys, Barry e Pacificador. Estejam avisados caso não queiram nenhuma informação sobre as produções citadas.

    DESCONSTRUÇÃO DA MASCULINIDADE

    É o fim do machão? O homem “tradicional/raíz” acabou? Não necessariamente.

    O que é ser homem? É não demonstrar nenhum sentimento? É ser forte, viril e lutar arduamente para ser o provedor, o maioral, quem manda na p*rra toda?

    Estamos em um período interessante de choque geracional muito forte. O mundo mudou e vem mudando rapidamente, sendo até difícil de acompanhar. The White Lotus teve a sacada genial de apresentar três gerações de homens em um de seus arcos e quero humildemente utilizá-la para ilustrar melhor a nossa estrutura atual.

    Bert (F. Murray Abraham), Dominic (Michael Imperioli) e Albie (Adam DiMarco) são avô, pai e neto, representando três gerações de homens. Cada um deles possui uma forma de enxergar o mundo, representando quase que literalmente os baby boomers, millenials e zennials.

    Bert acredita que o homem deve trair, ser viril, ausente emocionalmente e que é o dono do mundo, recebendo um tapinha nas costas pelo seu “excelente” trabalho. Já Dominic acha que a masculinidade é aparentemente conquistar poder, consertar as coisas e não ser sentimental demais, pois isso traz ingenuidade e um homem não pode ser ingênuo, mesmo que por trás dos panos, ele pense igual seu pai, Bert, de que apenas nós, homens, héteros, podemos tudo.

    Por fim, Albie é aquele tipo de cara que é gentil, boa praça, que se importa com as mulheres, mas que no fundo, não se importa de precificar e objetificá-las para o seu bel prazer. Ele é assim, pois até tem pensamentos feministas e progressistas, mas ainda possui os traços da masculinidade tóxica de seus antecessores.

    Mas nem todo o homem…

    Há tempos vemos que a estrutura tem mudado e isso é um ciclo importante a ser discutido. Mulheres, pessoas LGBTQ+, negros, pessoas com ascendência asiática tem recebido mais oportunidades de protagonizar produções e cravando a bandeira da diversidade, conquistando seus espaços de forma honesta, o que tem incomodado uma parcela da sociedade.

    As discussões de obras como The Boys, que trazem principalmente homens brancos como os grandes vilões da parada, tem nos feito refletir muito a respeito da figura masculina. Quando vemos um homem tão perverso quanto Capitão Pátria (Homelander) refletindo sobre seu papel de pai, assim como o Soldier Boy não se importa com o seu de avô, remetendo mais uma vez ao que citei acima sobre o choque de gerações de The White Lotus, que também salta aos olhos quando vemos Hughie incomodado em ser o “ajudante’ de sua namorada Luz Estrela (Starlight), sendo um espelho de Albie, pois também se vende como um cara sensível, contudo, não aceita ser “menos” que sua amada, uma mulher poderosa em todos os sentidos.

    O mais engraçado disso tudo é como a cultura pop se reinventou com essa nova carta agora mais aceita, de forma muito positiva aliás, trazendo essa pauta à tona. Séries como Pacificador, que é a melhor de super-heróis no ano, e Barry, mostram dois brucutus que são frágeis e escondem por trás de toda a sua agressividade um medo gigantesco de não serem aceitos por suas falhas.

    O anti-herói da DC teve um pai extremamente cruel que destruiu sua vida e ele o absolve de seus traumas, pois há um corporativismo masculino que passa pano para as atrocidades que cometemos. Sempre queremos o perdão por sermos brutos, o que não passa de uma mera desculpa esfarrapada para justificar tais atos terríveis.

    Já Barry desconta nas pessoas, principalmente em sua namorada, toda a sua carga emocional, o que é o espelho real de uma sociedade patriarcal retrógrada.

    Mesmo sendo dois assassinos sanguinários, os dois protagonistas tem sentimentos, medos, frustrações e isso é incrível na nossa construção. Eu mesmo já me peguei várias vezes pensando sobre minhas atitudes péssimas no passado e que involuntariamente podem acontecer, trazendo aprendizado. Produções como The Boys, Men, essa que mostra os anseios e terrores das mulheres em relacionamentos abusivos com homens extremamente dependentes emocionalmente e com um nível altíssimo de periculosidade por conta das violências físicas e verbais, devem ser vistos e celebrados, visto que refletem a nós mesmos em algum momento da vida.

    O homem raiz, que não sofre, não tem sentimentos, que é uma rocha nunca existiu. O que sempre existiu e que ainda reverbera é uma desculpa esfarrapada para não assumirmos responsabilidade. É uma forma esdrúxula de não nos comprometermos, de não mergulharmos, de mantermos um orgulho que não deveria ser realidade. A cultura pop e a arte servem para nos fazer pensar e cada vez mais isso acontece.

    Não somos perfeitos, na verdade, temos muito a aprender e que bom que a indústria está enxergando isso e dando chance de reflexão de diversas maneiras. Claro que o caminho ainda é longo, mas as passadas já estão mais largas e isso é algo que devemos comemorar. Que ótimo que o mundo está mudando, que maravilha que a diversidade está cada vez mais forte e que espetacular que a masculinidade está sendo discutida, atualizada e trabalhada do jeito que deve ser.

    Leia também:

    CRÍTICA – Barry (3ª temporada, 2022, HBO)

    CRÍTICA – The Boys (3ª temporada, 2022, Prime Video)

    CRÍTICA – Pacificador (1ª temporada, 2022, HBO Max)

    CRÍTICA – The White Lotus (2ª temporada, 2022, HBO Max)

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