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    CRÍTICA – Bojeffries: A Saga (2020, Devir)

    Quem, hoje em dia, não conhece obras como Watchmen, V de Vingança ou mesmo A Liga Extraordinária? Quase ninguém, não é mesmo? O autor destas obras, Alan Moore, é conhecido por ser um dos precursores da “revolução adulta” dos quadrinhos. No entanto, apesar da fama do autor, a saga da família Bojeffries, uma de suas primeiras obras, não é tão conhecida (e foi recentemente publicada) aqui no Brasil pela Editora Devir. Moore é muito mais do que os famosos contos sombrios, e talvez um pouco de sua história ajude a compreender essas nuances.

    A história de Alan Moore

    Moore nasceu em Northampton, na Inglaterra, em 1953, numa família de classe operária. Teve muito apreço pela leitura desde pequeno e ainda novo teve acesso à HQs americanas como The Flash, Detective Comics e Falcão Negro. Terminando o ensino primário foi admitido na Northampton Grammar School e no final dos anos 1960 começou a publicar poesia e alguns ensaios em fanzines (publicações não-profissionais de e para um público específico), criando em seguida sua própria, chamada Embryo, a qual acabou sendo parte importante em sua projeção.

    Nos anos 1970, Moore teve alguns empregos até que em 1978, já casado, desistiu da vida de escritório e resolveu buscar sustento com suas qualidades artísticas. Começou escrevendo e ilustrando seus próprios quadrinhos para algumas revistas e fanzines, conseguindo ganhar a vida publicando através de pseudônimos.

    Sua carreira começou a engrenar quando ele focou em apenas escrever, tendo algumas publicações para revistas como Warrior, 2000 AD e Marvel UK, nos anos 1980. Na Warrior é dito que Alan Moore atingiu seu potencial, assumindo o trabalho de Mick Anglo revivendo Marvelman (que posteriormente teria o nome de Miracleman), tendo também sido responsável pela produção de V de Vingança.

    A carreira do Mago

    Desde então, o Mago, como passou a ser conhecido posteriormente, teve grandes obras publicadas, sendo algumas delas: Monstro do Pântano (a partir de 1982), A Liga Extraordinária (iniciada em 1986), Watchmen (1986), Batman: The Killing Joke (1989), Do Inferno (1989), etc.

    O suspense e o tom sombrio são praticamente uma característica do autor, e alguém lendo Batman: A Piada Mortal, por exemplo, não consegue imaginar que este mesmo autor já foi responsável pela produção de um quadrinho banhado no clássico humor ácido britânico.

    Bojeffries – Uma Obra Insólita

    O Mago nunca escondeu o desprezo que tinha por Margareth Thatcher e tudo que envolvia o nome da ex-primeira ministra (o mandato de Thatcher foi de 1979 a 1990). Em Bojeffries – A Saga, produzida e publicada originalmente durante o período em que a referida autoridade se encontrava no poder, Moore aproveita de toda sátira e humor ácido com que carregou a obra para fazer críticas não tão veladas à monarquia, à sociedade do Reino Unido e sua gestão na época. Segundo ele mesmo, “Bojeffries foi importante, pois foi uma das coisas mais pessoais que já fiz“.

    A saga começou a ser publicada na revista britânica Warrior, mais precisamente em sua 12ª edição, em Agosto de 1983. Como apresentado no livro Alan Moore, o Mago das Histórias (por Gary Spencer Millidge, publicado no Brasil com tradução de Alexandre Callari), Moore conta:

    “Eu e o artista Steve Parkhouse (ilustrador da obra) tentamos captar os sentimentos das coisas realmente estúpidas da Inglaterra das quais conseguimos nos lembrar de quando éramos crianças.”

    CRÍTICA - Bojeffries: A Saga (2020, Devir)

    A primeira história introduz um personagem (Trevor Inchmale, um corretor de imóveis, obcecado por sua profissão, que em seu tempo livre fantasia escrever sua autobiografia) que não aparece em nenhum outro momento da série, mas é fundamental para dar ao leitor a noção do tipo de humor e situações que irá encontrar no decorrer da obra.

    As ilustrações de Steve Parkhouse (toda em preto e branco, à exceção de uma história sobre as férias da família – muito criativa -, que possui tons de vermelho), aliadas à detalhada narrativa de Alan Moore são combinadas em perfeita harmonia, conseguindo retratar desde a inexpressividade até o pastelão violento.

    CRÍTICA - Bojeffries: A Saga (2020, Devir)

    A saga da família Bojeffries

    Nesta HQ, conhecemos a história da família Bojeffries. Já de início vemos toda a irreverência da trama quando somos apresentados à uma família nada tradicional: Jobremus, um chefe de família que tenta manter a ordem em uma casa com seus dois filhos, Ginda e Reth, os tios Raoul e Festus, um bebê (que vive no porão da casa) e o Vovô Podlasp (que vive no quintal). Tudo muito normal, já que Raoul é um lobisomem, Festus, um vampiro, o Vovô, uma criatura primitiva talvez saída de um livro de Lovecraft e o bebê, um ser radioativo.

    Esse preâmbulo é necessário para que o leitor esteja preparado. A produção das aventuras se deu ao longo de décadas e traz um humor bastante específico. As tiradas cômicas e satíricas são bastante ácidas, destacando em sua maioria a inconformidade do autor com as realidades da sociedade, abordando temas como racismo, feminismo e desigualdade social. Moore consegue ser profundo e irônico, contrastando a ingenuidade e a acidez, lado a lado, de uma maneira que impressiona e às vezes até choca.

    Está longe de ser uma obra rasa, e apesar de relativamente curta, possui personagens muito bem apresentados que conduzem a narrativa de uma maneira muito inteligente e divertida.

    Os personagens

    Jobremus Bojeffries: um pai dedicado e inteligente. Um cientista que, apesar de um tanto socialmente desajeitado, tenta criar seus dois filhos da melhor forma possível em meio à situação única em que ele e sua família vivem.

    Reth Bojeffries: um filho infantil e desajeitado que cresceu habituado com sua “família monstro” e possui uma imaginação bastante fértil. Não é um primor de caráter, apesar dos esforços do pai.

    Ginda Bojeffries: uma filha robusta e agressiva, possível retrato do estereótipo sexista atribuído ao feminismo. Ela enfrenta alguma dificuldade para se relacionar com os homens por se perceber como infinitamente superior e entender que eles ficariam intimidados com sua presença.

    Raoul Zlüdotny: o tio lobisomem que tem uma forte atração por poodles (no sentido gastronômico), trabalhador em uma empresa de moedores e afiadores. Representado sempre com um forte sotaque e traços brutos. É amável e muito gentil com todos, sendo por vezes ingênuo (o que traz algumas boas histórias à trama).

    Festus Zlüdotny: o tio vampiro (vegetariano), com um idioma único, nem sempre bem humorado. De hábitos noturnos (não poderia ser diferente, não é mesmo?) que se esforça (muito) para sobreviver (contra sua vontade) na Inglaterra.

    O bebê: uma das figuras mais curiosas da série. Um ser radioativo que pode gerar energia termonuclear suficiente para iluminar toda a Inglaterra e País de Gales. Isso basta.

    Vovô Podlasp: uma criatura primitiva no último estágio da matéria orgânica, com poderes e características lovecraftianas claras (desde a aparência até as falas, muitas vezes grunhidos incompreensíveis).

    Trevor Inchmale: um cobrador de aluguéis locais com predileções bastante específicas, que variam entre cobrar aluguéis, descobrir grandes devedores, e em seu tempo livre, escrever mentalmente sua épica (e talvez um tanto exagerada) autobiografia com os títulos mais empolgantes.

    Estes aqui apresentados conduziram a história de maneira criativa e inteligente pelas várias edições, tendo: um episódio das férias mencionado recentemente, uma opereta, uma tranquila história de Natal, culminando em um reality, publicado em 2013.

    Last but not least

    A obra foi produzida até 1991, quando ela foi descontinuada pela revista Warrior. Porém, na edição da Devir, temos ainda acesso à última publicação, de 2013, onde Alan Moore e Steve Parkhouse quiseram dar um encerramento mais digno à sua série de típico humor britânico. Este se deu com uma história de aproximadamente 20 páginas, apresentando fechamento mais digno para a saga da Família Bojeffries.

    Bojeffries – A Saga, apesar de bem produzida (tanto a edição original quanto a brasileira), não é a melhor porta de entrada para conhecer todo o legado e obra de Moore, mas com a mais absoluta certeza, é uma excelente história para conhecer melhor e mais profundamente o autor. A saga nos convida a fazer parte da família e nos envolvermos com todos os episódios inteligentemente pensados e reproduzidos, muitas vezes nos levando a reflexões importantes de maneiras diversas.

    Também segundo o livro de Millidge, a abordagem fonética de Alan Moore ao reunir os vários dialetos dos personagens e sua imersão na cultura inglesa torna o título quase impenetrável para o público americano.

    Esta informação valoriza ainda mais o trabalho e esforço de edição da Devir, que apesar de algumas piadas com referências bastante locais, conseguiu preservar a veia humorística do Mago, sendo bem traduzida e apresentada, nos permitindo acompanhar toda a louca história desta excêntrica família sem perder nenhum detalhe de sua genialidade.

    Vale ressaltar que em 1985 a série foi indicada ao Prêmio Eagle e, em 1994, ao Prêmio Eisner de Melhor Republicação de Graphic Novel por The Complete Bojeffries Saga.

    Nossa nota

     

    Editora: Devir

    Autores: Alan Moore e Steve Parkhouse

    Páginas: 96

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    As Crônicas do Matador de Reis: Patrick Rothfuss está em novo projeto

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    Os fãs podem se alegrar – ou xingar – com base nesta última notícia sobre a As Crônicas do Matador de Reis. Os fãs da série de livros que começaram com O Nome do Vento esperaram pacientemente pelo terceiro romance da trilogia.

    Sério, eles estão esperando desde que O Temor do Sábio foi lançado em 2011. Isso significa que eles estão esperando quase uma década para ver esse livro ser lançado. Quero dizer, claro que eles receberam um romance spin-off em 2014, A Música do Silêncio, mas isso dificilmente satisfez os fãs dos livros.

    É com isso em mente que tenho boas e más notícias para você. Só para esclarecer as coisas de antemão, não, essas notícias não são sobre o livro três, The Doors of Stone (ainda sem título em português). Em vez disso, gira em torno do One Shot Podcast, onde uma história se passa no Arcano da Universidade. Esta localização é destaque em O Nome do Vento, o que é bastante emocionante.

    Aqui está o que a história trata e como será contada:

    “Quatro estudantes do Arcanum da Universidade recebem sorteios por suas entrevistas com os mestres e precisam contar com a possibilidade de tirar um semestre de folga. O bem-intencionado Volli (Patrick Rothfuss), o livre e distraído Garlich (Bee Zelda), o orgulhoso e elegante Amara (Satine Phoenix), o irrepreensivelmente rebelde Chett (Liz Anderson) e o maior cavalo que você já viu.”

    A história surgiu de As Crônicas do Matador de Reis, um RPG desenvolvido pelo autor Patrick Rothfuss e pelo apresentador de podcast James D’Amato. Agora, ele se desenrolará em forma de história, na forma de novos “capítulos” toda segunda-feira.

    Rothfuss disse:

    “Contar histórias como essa me dará a chance de mostrar cantos do meu mundo que não aparecem nos meus romances. É divertido e colaborativo de uma maneira que realmente sinto falta. Mais importante, essas são histórias que permitirão que as pessoas passem algum tempo no meu mundo, enquanto aguardam a publicação do próximo livro.”



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    The Brides: ABC não seguirá com o spin-off de Drácula

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    A ABC não seguirá em frente com The Brides, que seria estrelada por Gina Torres, Erin Richards e muito mais.

    De acordo com o Deadline, as decisões da ABC foram em parte devido a complicações causadas pela pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19).

    Outros projetos como a série Thirtysomething(else) também foram engavetados. No entanto, existem planos para The Brides ser comprada por outras redes.

    The Brides é descrito como um drama familiar sexy, bem como uma reimaginação contemporânea de Drácula. Diz-se que gira em torno de um trio de poderosas mulheres imortais, enquanto elas se esforçam para manter sua riqueza, prestígio e legado, bem como sua família não tradicional. Embora a ênfase esteja nas protagonistas femininas, o próprio Drácula levará em consideração a história.

    Embora a ABC tenha passado o projeto, a Warner Bros. Television ainda está ligada à produção de The Brides. Roberto Aguirre-Sacasa, o CCO da Archie Comics e criador de Riverdale e O Mundo Sombrio de Sabrina, atuará como escritor e produtor executivo da série.

    O piloto de The Brides será dirigido por Maggie Kiley. E será estrelado por Gina Torres, Erin Richards, Goran Višnjić, Katherine Reis, Chris Mason e Sophia Tatum.



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    Harry Potter: Game será lançado para PS4, PS5, Xbox One e Series X

    De acordo com duas fontes anônimas, um game AAA de Harry Potter está sendo desenvolvido e deve ser lançado no final do ano que vem para a atual e para a próxima geração de consoles. Se isso se provar verdade, esse será o primeiro game lançado para os consoles desde Harry Potter Kinect em 2012.

    Para aqueles que não estão familiarizados, rumores acerca de um novo game de Harry Potter estão circulando desde 2018, onde a premissa gira em torno de um mundo aberto, com jogabilidade em estilo RPG. Desde então, entretanto, não houve nenhuma atualização, nem mesmo nenhuma notícia acerca do nosso retorno à Hogwarts.

    Apesar de ser baseado na enorme franquia Harry Potter, historicamente, os games tem lutado para obter sucesso, com a última tentativa de fazer um game mobile que não teve muito sucesso. Além disso, com a série da autora J.K. Rowling, recentemente se enfiando em controvérsias e se envolvendo em comentários transfóbicos, é algo que faz os fãs quererem distância da mesma.

    De acordo com a notícia da Bloomberg, dois funcionários da Avalanche Software estão atualmente estão trabalhando no game – que pediram para se manterem anônimos – revelaram que houveram discussões acerca de como lidar com a repercussão dos recentes comentários de J.K. Rowling.

    Com tantos games de Harry Potter falhando em obter sucesso, é provável que a performance desse game vá determinar a futura situação da franquia, o que é uma enorme pressão em cima da amada série. Além disso, devido a pandemia, o game já está com atraso programado após os comentários de Rowling, então é provável que o game não seja anunciado até o final desse ano, se não no próximo.

    “Na Avalanche Software em Utah, um novo game de Harry Potter está atualmente em desenvolvimento. Os comentários recentes de J.K. Rowling sobre pessoas transgêneros preocuparam alguns dos desenvolvedores do game. Como os fãs reagirão quando o game for anunciado?”

    Atualmente, a Avalanche Software priorizou o lançamento de outro game da série Batman, que também está em desenvolvimento e será anunciado no evento chamado DC Fandome, em Agosto. Por agora, parece que não há planos para cancelar o RPG de Harry Potter, e o game ainda está no caminho para ser lançado no ano que vem. Mas é compreensível, que com a criadora da série estando tão ligada a tudo da franquia, e com o Covid-19 atrasando tantos games, os desenvolvedores estão seguindo com cuidado.

    Quando algo se torna tão popular quanto Harry Potter, surge uma esperança de algo incrível. Essa série possui tantos fãs apaixonados, que sem dúvida não iam pensar duas vezes antes de comprar o game, que os darão uma sensação de retornar ao mundo mágico criado pela autora.

    A Avalanche Software entende essa paixão, mas além disso, eles compreendem que há muita pressão nos ombros deles para que eles acertem tudo no game. O timing do lançamento pode influenciar diretamente na performance de um game, então se eles acreditam que atrasar um anúncio era para melhor, então é do interesse dos jogadores acreditarem neles.

    Harry Potter é uma série que possui um imenso potencial, especialmente nos games. Se os rumores do game ser um RPG de mundo aberto se provarem reais, então esse pode ser enfim o game que fará justiça ao “Menino Que Sobreviveu”.



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    CRÍTICA – 365 Dias (2020, Barbara Bialowas e Tomasz Mandes)

    Para entender fenômenos, é preciso compreender os contextos aos quais estão inseridos e qual seu público-alvo. Esse é o caso do filme polonês 365 Dias, ou 365 DNI, no original, que está entre o Top 3 filmes mais assistidos no Brasil da Netflix. Fenômeno de espectadores, o longa atingiu a marca rara de 0% de avaliações positivas no site de crítica especializada, Rotten Tomatoes.

    A trama repleta de apelo sexual é dirigida por Barbara Bialowas e Tomasz Mandes, baseada no livro de Blanka Lipińska, que escreveu a própria série inspirada em 50 Tons de Cinza (2015). É inevitável a comparação com o filme norte americano – mais a frente, irei destacar alguns pontos importantes sobre ambas produções. No mais, 365 Dias conta a história de Laura Biel (Anna-Maria Sieklucka), uma jovem polonesa que é sequestrada por um italiano mafioso dominador, Dom Massimo Torricelli (Michele Morrone), que almeja conquistá-la em 365 dias.

    Foi uma espécie de tortura assistir às duas horas de vergonha alheia do longa. Não há clímax, não há profundidade de personagens ou trama, o roteiro é extremamente apelativo, as atuações são cômicas e não há fundamento nas ações dos personagens. Assisti aos 20 minutos iniciais do filme e parei. Comecei a questionar o por que dessa produção ter se tornado um fenômeno mundial na plataforma de streaming. Foi nesse momento que refleti sobre as inúmeras questões que a produção aborda, – ou, mais exatamente, deixa de abordar.

    Antes de tudo, gostaria de destacar aquele que talvez seja o único ponto positivo desta produção: o fato de que cada vez mais os filmes estrangeiros vêm ganhando destaque e popularidade na Netflix. Isso é extremamente importante, pois descentraliza a cultura norte americana e oferece uma diversidade maior de conteúdos aos espectadores. Ainda assim, as problemáticas levantadas em 365 Dias ofuscam qualquer mérito da produção -, ou da Netflix, em disponibilizar esse tipo de conteúdo.

    “Filme erótico de romance”, “drama erótico”, “suspense erótico”. Tantas formas de tentar definir o longa e sempre chagamos à palavra determinante: erótico. O dicionário define o termo como relativo ao erotismo, que provoca amor ou desejo sexual. É conflitante utilizar a palavra quando nos deparamos com situações de abusos, tanto físicos, quanto sexuais. 365 Dias não é um romance e muito menos um drama – é a fetichização compulsória da submissão sexual da mulher para mulheres.

    Mesmo que o personagem Massimo diga que ele não tocará Laura ao menos que ela peça, ele frequentemente a apalpa, acaricia, molesta, e, quando ela rejeita seus avanços sexuais, ele a agarra violentamente. A trilha sonora “moderna” sugere que todas situações são emocionantes, mas na verdade a música serve para preencher um vazio de clímax – na verdade, o único clímax que o longa pode ter é o ator Michele Morrone, que frequentemente aparece sem camisa.

    Eu não tenho medo em afirmar que o filme banaliza a sexualidade feminina ao nível de Massimo algemar Laura na cama e fazê-la assistir a outra mulher fazendo sexo oral nele. Não há prazer para nenhuma das duas mulheres – a não ser o prazer de satisfazer o “macho alfa”, uma cena que deixa evidente o falocentrismo da trama.

    Fora da cama, o mafioso conquista a “pequena mulher” (como a personagem é denominada em certo momento) com roupas, joias e todo o luxo da vida de uma sugar babyLaura abre mão da própria carreira de sucesso para ser mimada por um homem envolvido com o mundo do crime. É triste que o esteriótipo da mulher “interesseira” seja perpetuado em um filme que acredita que o maior fetiche da mulher seja um homem rico e bonito.

    Essa atitude vai contra os movimentos de independência sexual feminina nos últimos anos. As mulheres têm conquistado cada vez mais autonomia para descobrir sua sexualidade e serem donas das próprias fantasiais sexuais. No Instagram, por exemplo, há uma gama de terapeutas que ajudam e incentivam as mulheres a conhecerem o próprio corpo e os próprios desejos – e não somente os desejos dos seus parceiros. Como já dizia Rita Lee:

    “Amor é um; sexo é dois.”

    Histórias como a de 365 Dias e/ou 50 Tons de Cinza oferecem uma gama de emoções baratas e relacionamentos tóxicos. Aos desaviados, 50 Tons de Cinza não é nada mais que uma Fan Fiction (história que um fã recria baseado na história principal) da Saga Crepúsculo (2008 – 2012) escrito por uma mulher que leu certa vez sobre sadomasoquismo – sem conhecer bem a prática -, e resolveu adicionar o tema à história adaptada dos vampiros para “apimentar” mais seu imaginário.

    Blanka Lipińska escreveu a história de 365 Dias inspirada no sucesso de 50 Tons de Cinza. Logo, se ligarmos os pontos, podemos considerar a trama e construção de personagens do longa como uma fanfic de outra fanfic sobre uma história de vampiros adolescentes. O resultado? Um filme sem pé nem cabeça.

    É extremamente contraditório que hoje na Netflix o primeiro filme mais assistido da plataforma seja Mulher-Maravilha (2017) e, em terceira posição, esteja 365 Dias. O crítico de cinema, Alejandro Alemán, diz que “um filme de pornô é mais honesto” que o longa polonês. Não é exagero dizer isso, tendo em vista que a narrativa em si não se importa com a história – e sim apenas com as cenas de sexo, mesmo que sejam poucas e desinteressantes comparadas ao sensacionalismo que o filme se propõe.

    365 Dias tem um público-alvo: é o mesmo que lotou as salas de cinema no mundo todo quando “o outro filme erótico” foi lançado. Não há ponto positivos a serem destacados neste longa. Por anos a sexualidade feminina foi reprimida e, para espectadores menos atentos, este seria um filme que celebraria o imaginário feminino. Porém, essa falsa celebração coloca a mulher mais uma vez em um lugar de passividade e submissão – sua vontade não importa e o prazer não é igualitário.

    Nossa nota

    Assista ao trailer oficial (sem legendas) de 365 Dias:

    Texto publicado originalmente em Portal W3.

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    Apocalipse Segundo Fausto: Cineasta e escritor catarinense anuncia lançamento

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    Natural de Florianópolis, Marcos DeBrito iniciou sua carreira cinematográfica depois de estudar Cinema na FAAP, em São Paulo. Após explorar diversas narrativas nas telas, ele ousou se aventurar no universo literário, e recentemente anunciou o lançamento de Apocalipse Segundo Fausto, seu 10° livro. O terror católico está previsto para ser lançado em breve e levanta reflexões sobre hipocrisias que regem a sociedade.

    Diferente de tudo que já escreveu, o autor revelou em entrevista que essa é uma narrativa sensorial, mas com sua assinatura de estilo; algo que sempre desejou escrever. Semelhante a uma Bíblia, o livro tem capítulos escritos em versículos e apresenta passagens bíblicas reinterpretadas, e além disso, carrega quadros famosos e ilustrações nos traços de Gustave Doré – feitas por um teólogo. Ele se propõe a levar uma experiência única aos leitores desde o primeiro contato com a história, inclusive ressaltou que tudo tem um motivo para estar ali.

    Também muito conhecido no mercado cinematográfico brasileiro, Marcos DeBrito, até o momento, já trabalhou em mais de 10 produções e participou de diversas premiações dentro e fora do Brasil, aliás ganhou 2 Kikitos no Festival de Gramado, em 2001 e 2007, e venceu a premiação MAC Horror Festival e FANTASPOA 2015 na categoria Melhor Filme com Condado Macabro, um filme de terror que dirigiu ao lado de André de Campos Mello. Já no meio literário, tem seu nome consolidado e foi indicado ao Prêmio Jabuti de Literatura em 2013 com seu romance À Sombra da Lua.

    A ideia de Apocalipse Segundo Fausto surgiu em 2010, época que sons estranhos vinham do espaço, na qual muitos chamavam de Trombetas do Apocalipse. Curioso com a situação, o autor pesquisou sobre o fenômeno e estudou alguns relatos na internet. Porém, a narrativa ganhou forças após uma aula com Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé sobre o filme Anticristo do diretor Lars Von Trier, onde teve contato com uma diferente teoria sobre o que seria o Anticristo.

    Buscando explorar assuntos filosóficos, o autor afirmou em entrevista que o terror presente no enredo também debate o comportamento humano durante crises e o papel do universo nesses momentos:

    “O livro fala um pouco da situação do país que vivemos hoje, quase uma distopia em que religião, política e opinião se tornaram uma coisa só.”

    Na história, acompanhamos Fausto, um ator muito aclamado por interpretar Jesus, vivendo momentos tensos após pequenos chifres crescerem em sua cabeça e ser taxado como Falso Profeta por àqueles que o veneravam. Por meio de uma negociação com a Faro Editorial, o Grupo Editorial Coerência assumiu a responsabilidade de lançamento; previsto para o 2º semestre deste ano.

    Veja a capa de Apocalipse Segundo Fausto:

    SINOPSE

    Com os indícios de que o fim do mundo está próximo, um ator reconhecido por interpretar Jesus é acusado de ser o Falso Profeta depois que pequenos chifres crescem em sua cabeça. A massa fervorosa, que anteriormente o venerava, começa a enxergá-lo como uma ameaça à sobrevivência e partem em busca de seu sacrifício para que sejam salvos das trombetas do apocalipse.



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