Noites Sombrias #29 | Quem tem medo de Candyman?

    Quando em 1992 Candyman lançou nos cinemas, o filme despertou uma enorme curiosidade tanto dos críticos, como do público. Afinal, um slasher com um homem negro como o vilão, não só era surpreendente, como indicava que o filme de Bernard Rose tinha algo de diferente a dizer. Deste modo, Candyman se tornou um filme de estudo e mesmo após quase 30 anos, ainda é possível discutir as entrelinhas do longa. 

    A começar pela sua história de origem que se encontra em um conto escrito por Clive Barker em 1985 chamado “The Forbidden”. No livro, Daniel Robitaille é um escravo de uma plantação de New Orleans que acaba se envolvendo com a filha do dono das terras. Por isso, ele é torturado e sua mão é decepada, Daniel é amarrado e tem mel espalhado por todo seu corpo e rosto para ser atacado por abelhas.

    As pessoas começam a debochar de Daniel o chamando de Candyman por cinco vezes até ele morrer. Antes de sucumbir, ele então amaldiçoa todos ao seu redor. Agora, quem ousar pronunciar seu nome por cinco vezes em frente ao espelho traz de volta a lenda com um gancho no lugar da mão. 

    Do conto de Clive Barker para o filme de 1992 pouca coisa foi mudada. Apenas Candyman ganhou uma história mais rebuscada por trás de sua tragédia, no longa Daniel foi um filho de um ex escravo que ascendeu economicamente. Logo, tornou-se um rapaz culto, elegante e um artista. Um homem branco rico incumbe Daniel de pintar o retrato de sua filha, ambos acabam se apaixonando e o resto da história já se conhece. 

    Nesse mesmo contexto, a forma com a qual Candyman aparece e age foi inspirada em outros fatos. Em 1987, Ruthie Mae McCoy que vivia em conjunto habitacional ligou diversas vezes para a polícia relatando que “ouvia pessoas em suas paredes”. Os policiais que vieram não encontraram nada demais e não acreditaram em Ruthie por ela ser esquizofrênica. 

    Ainda assim, Ruthie foi assassinada com quatro tiros dentro de casa sem nenhum sinal de invasão, sua porta precisou ser arrombada para acharem o corpo. Os detetives fizeram novas buscas na casa e descobriram que existia uma passagem atrás do armário de remédios do banheiro. Assim nascia a lenda de Candyman nos cinemas.

    UM FILME RACISTA?

    Se Candyman foi um marco no cinema de horror ao apresentar o primeiro vilão negro no gênero de slasher, o filme também causou certa comoção ao mostrar questões étnicas raciais nas telas. Na história, a estudante Helen Lyle (Virginia Madsen) pesquisa sobre lendas urbanas, logo ela fica sabendo de Candyman (Tony Todd), um espírito que atormenta os moradores do conjunto habitacional Cabrini-Green em Chicago. 

    Helen é uma mulher branca que está decidida a entender a lenda de Candyman e para isso ela usa o conjunto habitacional como sua principal fonte de estudo. Ao chegar no local com sua amiga Bernadette Walsh (Kasi Lemmons), uma mulher negra, é como se Helen estivesse em uma espécie de safári. 

    Cabrini-Green é mostrada com os básicos estereótipos dos bairros negros, o local é perigoso, com homens mal encarados, corredores sujos e paredes pichadas. Helen, como a mulher branca salvadora, não se sente tão ameaçada. Já sua amiga, Bernadette, se sente incomodada e insiste diversas vezes para ir embora. 

    Nesse contexto do longa, existe uma espécie de apagamento da negritude de Bernadette. Ambas as personagens são universitárias e frequentam os mesmo ambientes predominantemente brancos. Logo, Bernadett só é vista como uma pessoa negra quando precisa morrer pelas mãos de Candyman, fora isso, ela somente é o estereótipo da amiga negra da protagonista. 

    Já a relação de Helen e Candyman é muito mais subjetiva e inspira diversas conclusões. Helen não só é o estereótipo do branco salvador, como Candyman é o estereótipo do homem negro “predador” de mulheres brancas. Enquanto o vilão ataca somente as pessoas negras de Cabrini-Green, ele também tenta seduzir Helen para se juntar a ele.  

    De fato, existe uma relação inter-racial em Candyman, mas seu contexto é tão cheio de estereótipos velados que qualquer interação entre Helen e Candyman é basicamente para elevar a protagonista. Nesse sentido, quando Helen se sacrifica por uma das crianças de Cabrini-Green, ela é vista pelos moradores como uma santa. E de certa forma, assim como Candyman, ela vira uma entidade. Mas, ao contrario de Candyman que é temido, Helen passa a ser cultuada pela população negra. 

    A cineasta negra Carissa Vieira refere-se a Candyman como “um filme de terror com negros” e não um “filme negro de terror”. Isso porque, Candyman não apresenta uma representatividade negra ou ao menos discute a negritude, o filme apenas reproduz visões brancas e distorcidas. 

    Contudo, isso não significa que não seja um bom filme ou que não mereça um olhar atento às suas nuances. Afinal de contas, Candyman ganhou uma nova adaptação em 2021 chamada “A Lenda de Candyman” com direção de Nia DaCosta e roteiro de Jordan Peele. O novo longa reconhece seu antecessor, mas acima de tudo discute o personagem Candyman como o racismo na América, algo que o filme de 92 não foi capaz de fazer. 

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